O amor prega peças nas pessoas. Quando menos se espera, aquele sujeito
que nos parecia tão antipático ou desinteressante revela uma face desconhecida
e sem perceber começamos a pensar nele nas horas mais despropositadas,
repetimos seu nome sem motivo aparente – motivos se inventam, é fácil – e um
dia nos surpreendemos com o coração acelerado e um certo suor a esfriar as mãos
em sua presença.
Sabemos exatamente o que estamos fazendo a cada vez que o nome dele vem a
nossa mente e a nossa boca. Temos a exata consciência do que está acontecendo,
mas fingimos para os outros e para nós mesmos que é casual – que coisa, não sei
por que sonhei com fulano essa noite, imagina. Fulano gosta de abobrinha com
berinjela, engraçado, não conheço homem nenhum que goste. E a gente até se
arvora a fazer uma piadinha de vez em quando, camufla de crítica ou sarcasmo o
que é amor novo.
É bom falar o nome de quem se ama, aquece o coração e dá uma agradável
coceirinha em outras regiões da anatomia. Fulano tem a boca meio tortinha, não
tem não? Ah, tem sim, repara só. Mentira. A boca de fulano é perfeitamente
simétrica, até muito bem desenhada, mas é mais seguro achar defeitos que
garantam o anonimato do sentimento. Supõe-se, segundo a lógica, que quem vive
achando defeitos no outro não pode estar absolutamente encantado por ele. O
problema é que a lógica é um instrumento muito frágil para tal instância, não
aguenta o tranco, e a partir de certo momento o sentimento fala no olhar, por
pequenos gestos impensados, vaza no tom da voz. A lógica, entidade sisuda e
discreta pela própria natureza, começa a achar aquilo tudo demais e se recolhe
resmungando sob a barraca do segundo plano como uma senhora ranzinza diante de
um menino malcriado, que teima em não sair do sol, e deixa o sentimento todo
iluminado, livre para se espalhar como o mar pela areia.
Chegados a esse ponto, só resta ir em frente. Se fulano notar, se prestar
atenção àquela criatura que de uns tempos para cá está sempre visível em todos
os lugares e lhe lança olhares tão atentos e se aproxima sem muito motivo para
prosear e puxa assunto por qualquer pretexto, é porque também ele, o
antipático, o sem-graça, está gostando da brincadeira, e a gente tem a
satisfação, entre outras mais intensas, de verificar que estava redondamente
enganada quanto ao mau juízo que fazia dele, Deus seja louvado.