segunda-feira, 28 de julho de 2008

Coisas que fazem a diferença


Durante alguns anos de minha vida, pensei que um dia seria dona de uma loja de objetos desses que a gente gosta de ganhar e de dar para fazer felizes as pessoas queridas. Há coisas que combinam com certas pessoas. Isso é tão verdadeiro, que às vezes se tem a certeza de agradar a um amigo, filho, namorado ou pai dando-lhe determinado objeto. Sou louca por essas coisas ditas inanimadas, mas capazes de animar as pessoas e fazer seus olhos brilharem.

Também gosto de ganhar presentes assim. É uma forma de expressar amizade, afinidade e carinho. Pelo tipo da lembrança se percebe o quanto quem nos presenteia realmente pensou em nós na hora de escolher. Quem não gosta de se sentir assim acarinhado? Para isso, um objeto não precisa ser necessariamente valioso e caro. Adoro por exemplo os feitos de palha, porta-guardanapos de madeira ou simples peças de louça de uso diário só pela beleza do desenho. Uma vez fiquei fissurada por uma molheira e não consegui seguir meu caminho antes de entrar na loja e levar para casa meu presente para mim mesma. Sem falar nos livros e músicas, um capítulo à parte.

Muitas mulheres correm a mudar a cor dos cabelos ou comprar roupas e sapatos quando estão tristes ou decepcionadas. Eu compro coisas, antes de qualquer outra providência. Também recorro ao cabeleireiro, é claro, mas nunca pintei os cabelos, de modo que faço um novo corte, uma boa massagem; às vezes vou procurar uma roupa nova – esses recursos que a gente tem, graças a Deus, pra mudar o exterior quando o interior está pouco convidativo. Mas antes passo em lojas de decoração até achar um cinzeiro original, um vaso bonito, um porta-retrato diferente. Tenho uma pequena coleção de caixinhas, adoro luminárias bonitas e estantes, que nunca são demais para os livros que chegam e sempre estão precisando delas. Mas há as almofadas e as mantas, quer coisa mais gostosa de escolher e ver em casa?

Meu pai tinha tinteiros de vidro que não sei onde foram parar, canetas de pena que ele molhava nos ditos, pesos de papel de cristal que me faziam sonhar e um mata-borrão que eu adorava vê-lo manejar sobre o papel de tinta fresca, além das canetas-tinteiro, como uma Parker preta listradinha de cinza que nunca esqueci. São objetos que trazem para nossa casa de adultos momentos da infância que eles testemunharam. Guardei dele, entre outras coisas, as sobrecapas de couro para proteger os livros, mas ficaram muito gastas e acabaram guardadas como relíquias.

Um objeto tem seu valor material, que pode ser menos ou mais alto, mas isso não interfere no efeito que ele nos causa. Quando se compra ou ganha algum, experimenta-se seu convívio como quem avalia um vizinho novo. Gosto de deixá-lo num lugar em que o veja a toda hora até que se integre ao dia-a-dia. De vez em quando é gostoso parar para conhecê-lo melhor; examinar, pegar e inventar novos lugares para pousá-lo até que se harmonize com a paisagem e o clima da casa. Quando isso acontece, pode-se sair procurando um lugar temporariamente definitivo para ele. É a prova de fogo, depois da qual quase sempre o estranho vira membro da família, parte do patrimônio da casa e merece afeto e cuidado.

Essa ligação com as coisas não incomoda ninguém e dá algumas alegriasinhas inocentes. Além do mais, é muito saudável exercitar o gosto pelo lugar onde se vive, e isso exige certa exclusividade para ser realmente nosso, original. Isso se consegue com uma decoração que pode ser simplérrima, porém cheia de toques pessoais, certa dose de inesperado e bom humor que faça a diferença. Nada a ver com luxo ou decoração estilosa. Como a poesia, tem tudo a ver com alegria de viver.

sábado, 19 de julho de 2008

Conselhos: modo de usar

Foto Ana Reczeck.


A moça tinha pele saudável, lindos dentes e olhos brilhantes. Concentrei a atenção no que ela dizia naquele programa de entrevistas que visito sempre que possível, porque muitas vezes aprendo coisas dos convidados. “O ideal são duas por dia, mas pode consumir mais do que isso sem susto. Laranja não tem contra-indicações, só vantagens.” Seguiu discorrendo, sempre muito convincente, sobre as virtudes da fruta. Lembrei que na semana anterior tinha ouvido outra nutricionista bem articulada falar da melancia, absolutamente indispensável para quem quer se manter em boa forma.
Depois da apologia da laranja, foi a vez de um dermatologista entusiasmado com as virtudes da água. De tudo que ele disse – e foi muito – ficou um bordão: mais de dois litros de água por dia. Mais de dez copos. E não vale substituir a água por sucos ou assemelhados (refrigerante, nem pensar). Até aí tudo bem, não tomo mais refrigerantes. Mas tomo sucos, porque são gostosos e saudáveis. Então são onze ou doze copos de água, mais dois de suco, no mínimo. Isso se você dispensar o vinho tinto, cujos benefícios – dizem – podem prolongar nossas vidas atribuladas.
Impressionada, imaginei que seria preciso andar com um cantil a tiracolo para satisfazer essa exigência. Levar laranjas para o trabalho e a melancia fechada num tupperware, que quando se abrir espirrará caldo pelas adjacências.
Nem tudo porém estará resolvido por essa dieta. E a maçã, fonte de vitaminas B, niacina e sais minerais? As uvas, que além de suavemente laxativas, fazem bem ao fígado, estimulam as funções cardíacas, são deliciosas e antioxidantes? Sem falar nos figos, energéticos, com potássio, cálcio e fósforo, que contribuem para a transmissão normal dos impulsos nervosos; na fruta-de-conde, cheia de qualidades medicinais, no caqui etc. E o papaia nosso de cada manhã? A ameixa, fresca e seca, ambas utilíssimas ao organismo? E que sobre espaço e tempo pra manga e abacaxi, pêra e graviola, um que outro açaí em misturas energéticas.
E tem o leite, necessidade indiscutível em quantidade ponderável todo santo dia, porque sem isso a osteoporose não encontra resistência e corrói nossos ossinhos sem contemplação. Naquele mesmo programa de entrevistas falou-se ainda de alface, tomate, pimentão, cenoura e berinjela na dieta diária; de brócolis, couve-flor, agrião, espinafre, rúcula, inhame, aipim, abóbora, beterraba e na inefável batata-baroa, esses últimos – vá lá! – duas vezes por semana. Arroz integral, legumes cozidos com a casca, frango ou peixe sempre grelhados (xô, carne vermelha!) todo dia. Alguém precisa organizar esse caos de preciosidades alimentares, e para isso nada melhor que um nutricionista de plantão em nossas vidas.
Fiz um balanço das recomendações, às quais juntei as castanhas, amêndoas, cereais, grãos e demais badulaques que, todo mundo sabe, precisa-se mandar pra dentro com assiduidade. Feitas as contas, descobri que precisava no mínimo de setenta e duas horas por dia pra cumprir todas as recomendações da nutrologia e da medicina – e nem cheguei ainda à imprescindível atividade física de vários tipos, que exigiria, calculando por baixo, mais duas horas diárias e algum personal-qualquer-coisa que nos ampare.
Em nome da saúde da mente e do espírito, especialistas de várias áreas vitais recomendam ainda não perder contato com a realidade que nos rodeia; estudar; praticar alguma atividade prazerosa – um hobby, jardinagem, cuidar de um animal de estimação, fazer cursos sem outra razão que a satisfação pessoal, participar de grupos cujos interesses partilhamos e assim por diante. Outra preocupação indispensável: cuidar da aparência – higiene, pele, mãos, pés, cabelos, maquiagem e cosméticos, incluindo ainda a postura, a escolha das roupas etc.
Mas tem mais: pelo menos cinco ou seis especialidades médicas reclamam sua presença em seus consultórios uma, duas ou mais vezes por ano, mesmo que você não sinta rigorosamente nada. E há até quem recomende uma colposcopia semestral para prevenir pólipos ou ameaças semelhante nas voltinhas dos intestinos; além de um confortável enema periódico para deixar o tubo limpinho – e mais uns trocados na conta do doutor. E mais: pequenos exercícios têm que ser repetidos ao longo do dia, porque fortalecem musculaturas tão importantes como os esfíncteres, o abdome, os glúteos, as articulações em geral. Também é imprescindível respirar sempre bem, praticar respiração abdominal, alongar muito desde que se acorda e ainda achar um tempinho pra devanear ou meditar, o que, segundo os profissionais da área psi, é a respiração da mente.

Se você tem filhos, um emprego que deseja conservar e cumpre suas obrigações cotidianas em casa, é possível que não lhe sobre tempo pra seguir um quinto desses conselhos. Talvez consiga fazer pouco mais da metade, caso viva só e tenha uma empregada que resolve todos os pepinos (me dê o telefone dela); mas não sobrará tempo pra ir ao cinema, um teatro, bater um bom papo, ler um livro ou ver televisão. E à noite, exausto da longa maratona, empanturrado de comida saudável e empapuçado de líquidos até a alma, você dormirá como uma lorpa assexuada. Até porque, seguindo esse ideário, não haveria por que nem como pensar em mais alguém além de você mesmo.

Como qualquer pessoa normal está farta de saber, vale a pena algum esforço para prolongar essa bênção que é uma vida saudável. Mas se a gente der ouvidos a todas as dicas supostamente autorizadas, não vai sobrar tempo para viver. E como, dizem os sábios, os extremos se encontram por oposição, a vida passará a ser uma obsessão permanente para exorcizar a morte.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

No princípio eram as férias


No princípio eram as férias de julho, que duravam um mês inteirinho pra gente se divertir, esquecer as obrigações de todo dia e aproveitar as festas que sobravam de junho. Agora muitas escolas tiram de uma a duas semanas do mês, o que é pouco pra quem deu duro desde fevereiro. Vão dizer que as horas de aula aumentaram, que é preciso cumprir o programa, que tantas férias são dispensáveis. Tudo bem, não vamos discutir isso. Dizer que é bom ficar de férias não significa ignorar ou negar as necessidades do ensino. Estou só lembrando o quanto era bom. As férias de fim de ano também encolheram um mês – iam do final de novembro ou início de dezembro a março, três meses cravados. Pode ser que houvesse perda de tempo, que fosse um exagero, mas particularmente posso dizer que a gente torcia muito para chegar o dia.

As férias pra mim sempre foram como a luz para a natureza. Pouco antes delas, já não dava conta dos deveres escolares com muita facilidade. Talvez porque eu fosse mais nerd do que devia, talvez porque levasse o estudo muito a sério. Mas entrar de férias para mim era a melhor de todas as festas. Não sei exatamente dizer por quê, mas acredito que, mais que os passeios, as praias, as horas de sono a mais e o cinema durante a semana, a delícia das férias estava na sensação de liberdade, de não ter um professor cobrando trabalhos ou a obrigação de vestir um uniforme que eu detestava e aturar inspetores mandando entrar na fila, sair da fila, subir pra sala ou ficar calada.

Talvez isso se deva também a um temperamento meio desorganizado que, mesmo depois de grande, nunca me permitiu ser capaz de repetir a mesma rotina todos os dias da semana. Ainda que haja horários a cumprir e funções determinadas no trabalho, não me lembro de ter vivido um dia igual ao outro. A disposição muda, as tarefas têm um peso ou uma ordem diferente a cada dia.

No trabalho, sempre fui uma espécie de estagiária ou voluntária, e era assim que cumpria melhor a minha parte. Qualquer função fica mais leve se for realizada com certo espírito lúdico. Tive a sorte de conviver com gente criativa, e podia até mudar um pouco a arrumação de minha sala de vez em quando. E quando dei o azar de esbarrar com um chefe autoritário com vocação para tirano, dei um jeito de mudar de setor e me ver livre dele. Ganhei muito mais trabalho, o que não me incomodou em absoluto, mas ganhei também amigos que nunca mais perdi de vista e algumas experiências de vida inesquecíveis. Foi como num desses jogos em que quem perde, ganha.

Nem sei por que estou contando tudo isso. Acho que é porque hoje, como me acontece com freqüência, acordei de férias.