João do Rio. A
alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 253p.
A alma
encantadora das ruas reúne
crônicas de João do Rio, pseudônimo do acadêmico Paulo Barreto, falecido dentro
de um táxi em 23 de junho de 1921. Textos típicos do flâneur que ele foi, originalmente publicados de 1904 a 1907 na
imprensa carioca, estão organizados nesse volume por Raúl Antelo, autor da boa
introdução, mostrando desde uma breve biografia do cronista até o alcance sua
obra, que contribuiu de modo decisivo para “abrir janelas na modernidade
brasileira”.
João do Rio fala do Rio de Janeiro, sua cidade, de
seus habitantes, trabalhadores e cidadãos de classes variadas. Mas é no pequeno
trabalhador, nos tipos ditos de rua que
demora seu olhar perspicaz e divertido, como em “Pequenas profissões”. Em “Os
tatuadores”, vemos que a mania de tatuagem, que parece coisa tão atual, é bem
mais antiga do que imaginamos. Assim como a religiosidade popular, antes da
febre de igrejas que ora nos aflige, e as leituras que o homem da rua prefere. Os
pintores de rua, hoje representados também por pixadores e grafiteiros, são
motivo de comparações divertidas e sarcásticas. O autor faz um paralelo entre os
egos inflados, que reclamam por se considerar grandes artistas injustiçados, e
os pintores anônimos, que podem ser apreciados “levemente e sem custo”, alguns
dos quais, que ele chama os “heróis da tabuleta”, fazem uma arte de utilidade
prática. Esses artistas anônimos têm em comum “os germes de todos os gêneros,
todas as escolas e, por fim, muito menos vaidade que na arte privilegiada”.
Está no texto ainda a mania de janela do carioca,
tema que Barreto pretendera desenvolver num livro que ele mesmo classificou de “notável”.
Ali também se encontram a origem, as influências e a ironia contida em tantos nomes
que batizaram as ruas do Rio. Muito mais que “um alinhado de fachadas, por onde
se anda nas povoações”, como a definem as enciclopédias, a rua é para ele “um
fator de vida das cidades”, e acrescenta: “a rua tem alma!”
9 comentários:
Puxa, adoro este livro. E vc, como sempre, escrevendo de um modo tão bom! Embora tenha comentado pouco (tempo, tempo, tempo), saiba que estou sempre por aqui te lendo.
Um beijão.
Depois da resenha perfeita, o título está anotado para posterior leitura. Pelo que você delineou, deu para sentir a "vida das ruas".
Bjos
Fiquei curiosa com o livro. Obrigada pelo conselho.
Um beijo.
Lindo título, esta da tua postagem, Dade. Adoro a escrita de João do Rio, é dos melhores, mais ferinos e mais perspicazes cronistas que conheço.
Ótima resenha, faz o leitor sair correndo para buscar João do Rio e encontrar sua alma encantadora.
Eu tenho esse livro (faz parte daquele selo "de bolso" da Cia. das Letras, não é isso?). Gosto dele.
Mas parece que Paulo Barreto não agradava a todos. Lima Barreto, um dos meus autores preferidos, detestava João do Rio.
Fazer o quê?
Um abraço.
Dade,
A Gerana tem toda razão. Teu texto, rico, belo e informativo, faz com que a gente queira sair correndo atrás do livro (felizmente, nestes tempos de internet, a gente só precisa de alguns cliques do mouse).
Um cronista de verve afiada e um observador muito atento sobre as gentes e as coisas do Rio de Janeiro dos anos 20. Influenciou muita gente, de Rubem Braga a Carlinhos de Oliveira, mas acho que quem mais se aproximou dele, pelo humor ferino e pela virulência do texto foi Nélson Rodrigues.
Obrigado pela dica e pela ótima lembrança!
Muito interessante a resenha. Estou inteiramente de acordo contigo. Gostei de sua observação a respeito da poesia na cidade, da forma especial de captá-la, de apresentá-la aos leitores. Abraços.
Lembro João do Rio das aulas de Marília Rothier e das boas crônicas que lemos dele. Uma ótima resenha, que deixaria a mestra envaidecida.
Beijos do Enylton.
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