domingo, 19 de agosto de 2007

Visuais – os imaginários e os virtuais




Estou relendo Adolfo Bioy Casares, A invenção de Morel, em tradução de Samuel Titan Jr., editado pela CosacNaify em 2006.

Nestes tempos de delírios visuais, imagens vertiginosas que supostamente dispensariam as palavras e se autoexplicariam sem maiores delongas (uia!), este livro – um cult da literatura internacional, de trama considerada perfeita por Jorge Luís Borges, amigo de Casares, seu parceiro e admirador – é um exemplo de que o uso das palavras é uma fonte de recursos que as imagens por si sós nunca vão suprir. Ainda por cima fala justamente de imagens, tão poderosas que foram capazes de subverter a vida do protagonista, um fugitivo político da justiça que se esconde em uma ilha deserta.

Os enigmas de A invenção aguçam a atenção do leitor e o impelem a perseguir o fio da narrativa, que em alguns trechos parece perdido entre as folhas secas do chão da ilha. O caráter teleológico que alguns emprestam ao texto de Casares pode ser discutido. Dificilmente uma literatura tão perfeita e enxuta poderia visar outra finalidade que não ela própria. Mas para o leitor atento fica bem claro que estão em jogo fatores imanentes ao ser humano, como a percepção nem sempre confiável e a imaginação que se alia ao desejo para lhe pregar peças – às vezes de mau gosto.

Em jogo também está a questão da sobrevida ou da própria eternidade. Mas não se trata aqui de uma eternidade metafísica, e sim da projeção de uma idéia que tem fascinado o homem através dos tempos, idéia que teria impulsionado o personagem Morel em sua invenção maravilhosa e terrível. A fábula explora um ângulo fenomenológico da experiência da imortalidade, que quase sempre tem sido abordada com visada mística ou filosófica. Os personagens em cena se opõem à realidade que estariam manifestando pelo simples fatos de não serem senão espectros de si mesmos. É fascinante, porque é como um filme interferindo no roteiro de outro filme. Mais do que simplesmente descrever os fenômenos (o que Casares faz com perfeição e apelo para o leitor), o livro capta o que se poderia chamar a insustentável leveza da ilusão, parafraseando Kundera, e todo o sofrimento humano que ela implica.

O prólogo de Borges e o posfácio de Otto Maria Carpeaux dão o toque especial a esse primeiro volume da coleção Prosa do Observatório, coordenada pelo escritor e teórico de literatura Davi Arrigucci Jr.

2 comentários:

Anônimo disse...

Não li A invenção de Morel, Adelaide. Mas com essa resenha bacana (posso chamar de resenha, não é?)feita por você. vou já correr atrás. Um abraço.

Lord Broken Pottery disse...

Adelaide,
Embora não tenha lido o livro, achei sua análise muito bem feita. Deu vontade de ler. Ainda mais sendo editado pela Cosac & Nayf, garantia de obra bem cuidada.
Beijão