segunda-feira, 9 de julho de 2007

Paz, via de mão dupla


Foto Elliot Erwitt.

A violência não brota do nada. E não tem só uma ou duas causas nem caras. Não pode ser reduzida a fórmulas, como se tende a fazer nas horas de muita dor e muita revolta.
Entrar no mérito dessa questão seria produzir um ensaio. Mas o sentimento da impotência toma conta da gente quando se vêem figuras de algum destaque nos diversos setores de atividade e conhecimento aferradas a argumentos irredutíveis, perdendo de vista a questão concreta que nos desafia, como se suas augustas pessoas estivessem acima de qualquer interesse coletivo. As discussões sobre o assunto terminam muitas vezes num charco estéril de narcisismo.
As discordâncias conceituais têm que existir e devem ser analisadas para que delas surja alguma saída para a sociedade. Mas se fornecerem munição à prepotência e à vaidade dos envolvidos, perdem sua razão legítima e servem apenas para engrossar o arsenal das farpas, muito útil a quem pretende aproveitar a crise para se projetar ou – pior ainda – para tirar vantagem dela.
Será que isso não é também um sintoma de violência? Nem só os ditos bandidos são gente “do mal”. Todos nós temos essa aptidão, e não ponho nisso qualquer traço de religiosidade. Pode-se nunca ter cometido um crime na vida e ser insensível e até cruel no cotidiano. Todo dia se vê gente assim no trânsito, em brigas de trabalho, em família ou entre vizinhos. As represálias e a vingança parecem ter-se tornado no imaginário coletivo recursos legítimos contra quem, mesmo sem muita intenção, criar obstáculos a uma vantagem ou a um objetivo. A primeira atitude em qualquer circunstância é o antagonismo, a defesa ou o ataque, mesmo sem causa concreta.
Violência tem graus, mas não escalas que a tornem mensurável. É contagiosa, e não existe medicamento eficaz contra ela, a não ser que consiga uma mudança íntima, pessoal, pela qual alguém se disponha a ceder alguma coisa para se entender melhor com o outro.
O pior de tudo, no caso de cidadãos pacíficos e honestos, que de fato gostariam de amenizar o clima carregado em que estamos vivendo, é a omissão, a ilusão de se sentirem invulneráveis enquanto tudo estiver correndo bem com eles e suas famílias. Essa ilusão é filha daquele maniqueísmo tão banal e nosso conhecido que leva a dividir o mundo em pessoas boas e más como se já estivesse tudo resolvido. Nada está resolvido, nem vai estar nunca. Sempre há o que melhorar no mundo, mas isso só vai acontecer quando estivermos inteiramente convencidos de que paz não é sinônimo de estagnação e indiferença. E de que a mudança tem que começar dentro de cada um.

3 comentários:

Marcelo F. Carvalho disse...

Belíssimo ensaio, bem escrito e "sentido". Para que o mal vença basta que os de bem nada façam (como mais ou menos já disse alguém de renome). O mundo é maior do que o nosso quintal e as pessoas atingidas pelo medo são membros nossos, mães e pais como a gente.

Abraço forte!

Lord Broken Pottery disse...

Adelaide,
O mundo está dividido entre pessoas más e más. A maldade faz parte da natureza humana. Alguns outros sentimentos, pouco nobres, acompanham o pacote, aquelas cobertinhas de lã onde o bebê gente vem embrulhado: egoísmo, prepotência, vaidade, inveja, narcisismo, chega? Não vejo muito futuro para o mundo (ando em fase aguda de pessimismo), mas considero que as suas palavras são sábias. O comodismo, e a idéia de que somos imunes (o mal não atinge deuses), deveriam ser combatidos. Não adianta pagar o mal com o mal. Todo problema tem uma causa raiz. A miséria e a falta de educação precisam ser observados com mais carinho.
Grande beijo

Marco disse...

Seu texto é particularmente brilhante. e curioso é que acabei de escrever um sobre a natureza humana, que pode gerar pessoas de diferentes matizes para o bem e para o mal.
Certíssima você quando diz que há os que acham que a violência não existe, já que (ainda) não bateu à sua porta. Vivemos em tempos de uma espécie de roleta russa. uma hora vai disparar em cima de nós.
Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.