terça-feira, 26 de junho de 2007

Digressões alternativas



Quem não reflete por uma lógica que não seja a da razão; quem não vê nada além do próprio ressentimento; os sem indulgência, que não perdoam e são incapazes de sentir com o outro; os que têm sempre razão; os indiferentes; quem vira a cara pra não ver; quem pode e não ajuda, não suaviza, não dá a mínima – não sendo vilão de novela, ou é de uma burrice sem remédio ou não tem noção de ridículo.


Um dia que poderia ser igual aos outros pode virar uma aventura improvisada, quando se resolve ficar na praia, esquecer o relógio, criar o puro acaso que pode levar a encontrar alguém inesquecível; pode-se também fugir para o cinema, matar o trabalho, comprar móveis novos ou dormir até as quatro da tarde e depois ir dançar como se nada tivesse acontecido. Qualquer desses casos é um ganho para a biografia. Principalmente se resultar em demissão do emprego.


Há quem esteja programado para o desempenho de horas exatas, prestação de contas mesmo não solicitada, e o meticuloso cumprimento de toda e qualquer tarefa a seu cargo, ainda que a mãe morra ou o filho seja atropelado. Nesses casos mais severos, uma emoção liberada costuma ter o efeito de dois copos de caipivodka tomados de uma tragada. Razão pela qual certas pessoas preferem engolir a emoção com o café da manhã, sem atentar para o fato de que é impossível digeri-la, porque não se assimila ao bolo alimentar e uma vez engolida vira angústia, cresce dentro da barriga e atravanca o peito até a altura da garganta. Não atentam também para o fato de que, assim que o sono bagunça a programação do dia, ela pode voltar à tona como matéria-prima de pesadelo.
A boa notícia é que tem cura. Basta fazer amizade com a emoção e perder o medo dela. Só é preciso um bom treinamento.


Chorar sem se perder no desespero é como ser um regato secreto fluindo manso entre as pedras.





Umbigo: quase tudo que sei sobre ele



“Umbo, onis [...] provém do indo-europeu ombh, de onde também procede o termo grego omphalós, com o qual se formaram todos os compostos de uso corrente em linguagem médica, relativos a umbigo, como onfalite, onfalocele, onfalorragia, onfalotomia, onfalotripsia etc. De uma variante de ombh no indo-europeu, nobh, derivam o alemão nabil e o inglês navel, indicativos de umbigo.”
O texto é de um site médico. Mas o tema interessa a quase todo mundo, mesmo que seja só no terreno da linguagem e da etimologia.
Explicar a origem do termo pode ser interessante e útil, acima de tudo porque acena com detalhes reveladores e muito mais antigos do que a correta visão científica do apendicezinho com que todos nascemos e cuja cicatriz deixa um buraco menos ou mais estético bem no meio do ventre.
O termo já deu muito pano pra mangas, sobretudo depois que Sigmund Freud, em sua Interpretação dos sonhos, descreveu o que ele chamou de “o umbigo do sonho” – o momento do não-sentido, quando a história ou a imagem sonhada perde o pé da verossimilhança e abre espaço ao desconhecido, estranho e espantoso ambiente que nem o dito Freud conseguiu explicar: o inconsciente. Papai Sig já prestou um serviço inestimável ao mundo e à ciência com a descoberta de que a ele, o inconsciente, pode ser creditada uma legião de fenômenos e acontecimentos que de outra forma teriam que ser atribuídos (e ainda o são, apesar de tudo) a encostos, atuações, magia e outras fantasias que vêm ocupando corações e mentes e enchendo os bolsos de tantos semelhantes nossos pelos séculos afora.
Esse é o sentido mais rico da palavra, porque deixa entrever, ou entreperceber, alguma coisa de que ainda não se ouvira falar de modo tão direto e que, se não serve como sumidouro de problemas ou panacéia para todos os males do espírito – e até do corpo –, ao menos sinaliza que o essencial é muitas vezes (ou será sempre?) invisível para os olhos, como já lembrava o principezinho de Exuperry. Tudo bem, a intenção de Exuperry era menos objetiva. Mas a citação fits, porque o Pequeno Príncipe é um livro basicamente escrito com a imaginação e o coração. Um doce pra quem responder de onde procedem essas duas instâncias, mensageiras notórias do desejo humano.
Já me disseram que escrever sob a égide do umbigo talvez não leve a bons textos, porque o termo alude a tudo que diz respeito ao narcisismo e um texto composto sob essa inspiração sempre se arrisca a ser vazio de interesse para eventuais leitores. Respondi que respeitava o ponto de vista, mas que esse umbigo vai bem além do meu próprio. Todo mundo é dotado de algum narcisismo, necessário ao bom desenvolvimento, que só prejudica se assumir proporções patológicas.
Além disso, escolhi o nome do blog e do livro pensando no sentido freudiano da expressão. A idéia era essa, sem qualquer pretensão que não fosse isso mesmo: se Sig bispou um furo no sonho, por que não aproveitar a deixa e tentar achar o furo que levasse ao não-sentido, a parte mais importante de todo texto? Isso não significa um texto incompreensível, mas um texto que admite várias direções. Se o caminho estava desbravado, por que não entrar por ele?
Nenhum texto de ficção ou poesia tem um só sentido – tem sempre vários ou muitos. Por isso mesmo, porque não é uma “túnica inconsútil”, todo texto tem furos, emendas, costuras. O palimpsesto, imagem ideal de um escrito desses gêneros, deixa vazios entre suas camadas. Pensando nisso, sobretudo nos contos do Umbigo do Sonho, tentei tornar mais claros esses vazios, chamar a atenção para esses buracos. Se consegui fazer o que pretendia é outra questão, e ainda que não tenha conseguido, a idéia continuaria de pé.
O umbigo, esse buraco à flor da barriga, tem também seu lado engraçado. Leiam só o que encontrei:
“O pesquisador australiano Karl Kruszelnicki solucionou um problema realmente intrigante. A origem dos fiapos de tecido que se acumulam no umbigo. Para tal pesquisa ele estudou o umbigo de mais de 4.800 pessoas.
Os resultados do estudo:
· 2/3 das pessoas têm fiapos no umbigo;
· pessoas mais velhas tem mais fiapos no umbigo;
· maior incidência em homens do que em mulheres;
· existe uma relação entre a cor dos fiapos e a cor da pele; pessoas de pele clara têm fiapos claros;
· o tipo de pele não afeta a incidência de fiapos;
· a presença de fiapos está muito ligada à quantidade de pêlos na pessoa: muitos ou poucos pêlos diminuem a quantidade de fiapos;
· não existe relação com o porte físico;
· o azul é a cor predominante dos fiapos (assim como as roupas).
A pesquisa rendeu um prêmio IgNobel, que é conferido aos estudos mais estranhos e esquisitos (que não podem ou não devem ser reproduzidos).”
Como todos os temas do mundo, o umbigo nos lança seus sinais. Que os veja quem tiver olhos de ver.

Um comentário:

Lord Broken Pottery disse...

Adelaide,
Fiquei preso no primeiro parágrafo. Gosto muito de gente, tendo a ser indulgente com as pessoas. Talvez as alternativas que você coloca não sejam as únicas. Muitos sofrem por incapacidade psicológica. Tenho reparado, através de observação que o passsar dos anos me permite, que a loucura tem diversas nuances. Aquilo que consideramos maldade é muitas vezes doença. O que mais me chama a atenção é a grande quantidade de indivíduos pouco sãos, mentalmente se falando, que circulam por aí. É como disse no início: esse parágrafo dá pano para manga.
Grande beijo