Consultava o céu estrelado sem saber bem o que esperaria
ver além das estrelas e dos insetos que costumam cruzar as janelas em setembro.
A escuridão por si só não explicaria aquela intensidade que a fazia vibrar como
as cordas graves de um violão. Não esperava ninguém, e no entanto toda se
voltava para um personagem poderoso do dia que agora dominava sua noite. Não se
espantava de ouvir gritos lá fora, gemidos como queixas a atravessar o tempo. A
lua estava distante, quase sumida no horizonte.
Os gritos dos gatos no jardim a atravessaram. Sempre
pensara que a voz dos gatos da noite os transcende, faz deles mais que simples
gatos: mesmo no caso dos gatos, o desejo é capaz de criar muito mais do que
gatinhos. Sabia o fogo que os consumia – favos retirados da colméia escorrendo
no meio da noite bruta. Os gatos lhe haviam feito muito medo na infância porque
não conseguia entender o fascínio que lhe causavam. Agora podia conviver com
eles na intimidade, pulsar com eles, buscar os frutos que a noite lhe traria se
apenas consentisse em se perder. Os gatos cantavam a morte antes de germinar.
A escuridão protege formas que ninguém vê à luz do sol.
Naquela noite em particular, adivinhava movimentos e atividades ocultos pela
treva a sua volta, mas não queria acender as lâmpadas, porque nesses momentos
tinha a sensação de ser uma polpa intensa e perfumada, um fruto da noite
suportando seus delírios, e muda viajava nesse terror secreto que antecede o
gozo.
Um sonho lhe havia mostrado mais que imagens enigmáticas:
ela as reconhecia nas incertezas do futuro. Sabia que estava a ponto de criar
outro rumo para sua vida – e na verdade já traçava esse rumo na fantasia. Mas
relutava em deixar que a imagem daquele homem se instalasse de vez no olho do
pequeno furacão que se armava, porque com isso estaria mergulhando – quem sabe
– no mar em que se afogaria. Secretamente estremecia em seu claustro de
semente, sabendo que nada a justificaria senão a perda.
Os gestos se alteravam, levava as mãos em concha até a
boca e soprava dentro delas para testar o hálito que ele lhe sentiria, e por um
segundo esse hálito não foi o seu, mas o do outro ainda oculto. O desejo dele
se fortalecia, atravessava seus caminhos, exalava pelos poros e a escravizava.
Pulsava imóvel, fixando a nesga de céu que podia alcançar por sua janela
aberta, e sabia o que esperar, mas não até quando. Não ia demorar. Os seios
intumescidos, uma ânsia em febre que a retorcia, chegaria antes do desejado,
pelo sumo que se permitia, sugando os dedos na delícia atroz dessa noite de
espera sem chegada. Bem sabia, ia chegar sozinha.
Começou a sentir náusea pela escuridão riscada de gritos
que a deixavam no cio, que a atingiam como pedaços de vidro vindos de longe a
cortar sua carne.
O corpo lhe escapava. Um futuro oblíquo já penetrava em
seu sangue e se confundia com sua própria pulsação. Não havia mais como
mantê-lo à distância. Não queria, não ia ficar sozinha para se deixar resvalar
na metade muda de um prazer vazio. Ele estava ali como um ser da noite, na
certa pensava nela naquele momento e a queria também. Abandonou então sua
própria vertigem à vertigem do desejo dele e deixou que aquele homem secreto a
cobrisse e lambesse no pescoço, nos seios, na bunda, na barriga que se
arregaçava para que seu falo rijo entrasse e se esfregasse lá dentro entre suas
pernas até tocar no mais fundo que a fazia gritar de gozo; que magoasse sua
carne macia com as mãos pesadas, apertasse suas coxas até deixá-las marcadas de
seus dedos e sugasse suas partes doces e cheirosas, mordesse seus seios e
derramasse seu caldo quente dentro dela duas, três, quatro, as vezes sem conta
em que toda desabrochou por suas mãos, querendo morrer de tanto gozar por todo
o corpo sobre o lençol molhado que os vestia.
Quando o sol a despertou, viu no travesseiro do lado a
marca côncava da cabeça dele. Sentia ainda o calor de seus membros sobre seu
próprio corpo.
2 comentários:
Gostei do conto, Dade!
Beijo
Ah, muito bom! Na prosa e na poesia, brilha!
Beijos, Dade.
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