Imagem Cézanne. Vaso de flores.
Não há como fugir: os dias são diferentes,
mas iguais no que se sucede – manhãs tardes noites madrugadas horas batendo
martelo nos segundos. Os dias são como um leilão do que você quer mas só vai
levar se perceber a música do martelo.
As cores mudam, porém, tanto as do
céu como as do coração, e os tons são inacreditáveis, de uma pessoa para outra
e até para a mesma. As diferenças na mesma pessoa são mais claro-escuro, ton-sur-ton,
porque o fundo é meio repetitivo mesmo, fazer o quê? Cada um se faz
repetitivamente recaindo no refazer do que mais procura evitar. E quando o sol
aparece, por causa desse estado de mesmice aparente, pode dar a sensação de que
tudo está igual. Mas até o sol tem matizes e variações, é só prestar atenção
para ver: o sol não mostra sempre a mesma face, e às vezes está furioso e
queima com raiva, mas às vezes acaricia a pele que nem homem enamorado.
As diferenças de uma mesma pessoa se
devem a que os poros deixam entrar sempre o que lhes interessa mais. Além
disso, o nunca tem muitas frestas. Se digo “nunca”, na mesma hora meus poros se
abrem. Daí advém toda contradição do ser humano, e também suas repetições
inesgotáveis e seus melhores prazeres.
Os dias podem parecer iguais naquilo
que os outros exigem da gente.
A coisa acontece assim: a gente se
repete e recai e refaz o que já andou fazendo a vida toda. Quem vive a nosso
lado também recai e repete. Quando alguém refaz seu refazer e ressoa em nossa
alma como repetição, é a rotina. A rotina não é o que eu faço, mas o que os
outros querem que eu faça, e eu faço, repetindo – não o que eu quero e repito
por minha própria conta, porque é meu e é como eu sou, mas o que os outros
querem que eu refaça por eles. Nisso consiste o poder de uma pessoa sobre a
outra: ser capaz de ressoar sua própria repetição no outro. E quanto maior o
poder, maior o número de pessoas a refazer a repetição do poderoso. O que
obviamente não é justo nem salutar para ninguém.
Quem apenas ressoa o que o outro
repete e o refaz sem conseguir deixar de refazer é um candidato a passa humana.
Quem não se libera da gaiola da repetição do outro, é pássaro morto dentro da
gaiola sem ninguém para chorar por ele. Quem não olha em volta e procura
sintonia para ouvir melhor a música do outro, chama-se submisso e nem merece
muito que se chore por ele.
7 comentários:
Me emocionei... Lindo!
Beijos.
Dade, querida, sutilezas ditas com uma delicadeza e uma perspicácia incríveis. Nuanças de poesia límpida. Escuta aguçada a ovir de outros o som...e a poesia, eu diria, que carregamos todos na alma, de um jeito ou de outro.
Seu texto é um primor. Feito e sentido com delicadeza.
É prazer e grande ler seus textos.
Saudades estava deles.
Beijos
Abrir a porta da gaiola e cantar para a vida tem que se lhe diga.
Excelente texto, Dade!
Beijo :)
uma alma sensível
não apressa o relógio
dança ao som dos ponteiros
e se transforma
...
Que mergulho,
Dade.
Beijo carinhoso.
Texto lindo, importante, necessário!
Um primor, Dade!
Como tudo que você escreve... Coloca as palavras exatas no cadinho e o resultado é toda essa lindeza que ,constantemente, nos oferece!
Grata, querida!
Abraço apertado
Zélia
"A rotina não é o que eu faço, mas o que os outros querem que eu faça"
Adorei essa definição!
Dade, tenho andado um pouco surdo; vou ver se apuro a audição para ouvir essa música de que fala.
Um abraço.
Moça, ocasionalmente apareço por aqui (e bote ocasionalmente nisso...) mas sempre silenciosamente. Hoje deu vontade de comentar. Gostei muito do texto.
Beijo
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