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se vieres à minha procura
vem devagar e suavemente para não quebrar a porcelana da minha solidão.
vem devagar e suavemente para não quebrar a porcelana da minha solidão.
Sohrab Sepehry.
Irã, 1928-80.
Outros além do poeta iraniano já disseram, em palavras diferentes, que
abordar uma pessoa não é para qualquer um. A começar pelo modo como se acorda
quem está adormecido, evitando uma transição muito brusca do sono para a
vigília, que faz disparar o coração de susto e começar mal o dia. A não ser no
caso de dorminhocos notórios e contumazes, em geral basta um leve toque, uma
chamada em voz baixa, e quem estava dormindo acorda sem traumas.
Chamar alguém aos gritos é, mais que uma questão de educação, uma
agressão sem motivo. Excetuando-se as situações-limite, como estar preso por
dentro, ameaçado de cair da janela ou com a casa em chamas, ninguém precisa pôr
a boca no mundo para chamar a atenção dos outros.
Em circunstâncias normais, as pessoas gostam de ser lembradas e
procuradas, mas nunca perturbadas por um chato inconveniente. Igualmente
incômodo é ser lembrado sempre com intenções utilitárias, como empréstimos de
coisas ou dinheiro (argh!), pequenos serviços que não nos competem ou pedidos
que às vezes se tornam um transtorno para quem precisa obedecer a horários
apertados ou desviar-se de seu rumo para atender ao pidão.
Pouca gente hoje em dia ainda se sente obrigada a aceitar encargos que
não lhe dizem respeito. Deixou de ser embaraçoso dizer “não”, ao menos para quem
vive nas cidades e tem o tempo contado para suas próprias obrigações, mais
escasso ainda para o lazer e o cuidado de si. Mas ainda existe gente, tímida ou
inadaptada aos hábitos urbanos, que não tem coragem de se negar a fazer o que
lhe pedem. Às vezes viram verdadeiros servidores do outro. E sofrem por isso de
um modo insuspeitado.
A abordagem amorosa é um caso aparte, mas nem por isso pode invadir a
privacidade do ser amado, como se o fato de amar desse carta-branca ao
apaixonado nesse particular. Há quem acredite – ou finja acreditar – que amar é
pretexto suficiente para ignorar a necessidade que todo mundo tem de um tempo
só para si. Nesse caso, mais que em qualquer outro, o respeito a nossa solidão
pode ser motivo para firmar e fazer crescer o amor, um sentimento cada vez mais
raro e valioso, que todos desejam e pouca gente conhece de muito perto e
pratica de verdade.
Quanto mais íntimo se fica de alguém, mais é preciso estar atento ao
tempo de que esse alguém necessita para respirar, cultivar sua paz interior ou
refletir e tomar decisões sobre seus problemas. Se o ser amado não preza seus
momentos de solidão e parece ter horror a ficar sozinho consigo mesmo ao menos
um pouco todos os dias, pode ser que a porcelana de que fala o poeta esteja
quebrada. E porcelana não dá pra colar.
3 comentários:
Dade:
Ratifico suas sempre lúcidas ideias. Principalmente no quesito "amor", muitos ainda aplaudem o sentido de "cara metade", como se alguém pudesse ser dono do outro, como se não houvesse diferentes identidades em um e em outro. Vivas à aproximação de dois inteiros e não ao encontro de duas metades, não é?
Beijos
Prfeito, Dade. É preciso dar espaço para a solidão. A minha tem pernas longas, precisa esticar-se sem tocar nada pelo caminho. Textos sempre sensíveis, lúcidos, tocam exatemente nos pontos que precisam sempre de reflexões.
Beijão,
Sem mais delongas, li com um prazer imenso. Magnífico texto!
Beijo :)
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