sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Meus doces arcanjos

De um certo ponto de vista, o mundo pode ser dividido em pessoas que gostam de doce e as que não gostam. Fecho com as primeiras e não abro. Ainda sinto o gostinho dos bombons de chocolate e dos brigadeirões, meus fiéis companheiros pelos anos afora, com overdoses na Páscoa e no aniversário. Outra lembrança indelével – ao menos enquanto meu cérebro se mantiver saudável – é o doce de batata-roxa que minha mãe fazia, o mais puro sabor do autêntico marrom glacê. Valiam também as “cocadas” de abóbora e de batata-doce da carrocinha da Suelene na esquina lá de casa, sem falar nas de coco mesmo, brancas e pretas, que me deram prazeres inefáveis. Os suspiros. E os bons-bocados de vovó? Os quindins, os docinhos de nozes, damasco, as ameixas recheadas e as queijadinhas? As tortas de baba-de-moça com coco, meu Deus, geladas e desmanchando na boca. O rocambole de pão-de-ló com recheios maravilhosos da cozinheira de tia Anita. As musses, os pudins de leite condensado da sobremesa, as compotas feitas em casa. Nem precisa mais: o bolo singelo, ainda morno, da hora do lanche, com ou sem uma caldazinha de chocolate cheirando por cima. O pudim de aipim de minha sogra, cremoso, leve mas consistente, que nunca enjoava porque era adoçado no ponto certo. As brevidades de mamãe, para comer com o café da manhã? Só de pensar engordo e triglicerizo até a alma.

Fui (e sou, só que não como mais, sniff) tão louca por doce, que na mais tenra infância, quando aprendi os nomes dos arcanjos Miguel, Rafael e Gabriel, associei a cada um deles uma substância daquelas de que a gente se lambuza, se não souber comer com bons modos. Pra mim, Miguel está associado a mel. Talvez porque rima, sei lá. Gabriel está ligado em minha cabeça à calda do doce de cajá-manga que minha avó paterna fazia como ninguém – que Deus a recompense com sua santa glória. Já o nome de Rafael imediatamente me faz lembrar do melado que sempre figurava no armário da copa entre as sobremesas, e que meu primo, lá pelos dez anos, consumia com uma nuvem de farinha de mesa por cima.

Por que será? As associações não têm mesmo muita lógica, são como as razões do coração. Só pra ficar no campo das doçuras, por exemplo, a vidraça da sala de jantar da casa da infância virou sinônimo subjetivo de açúcar cândi. Buscar as razões disso não tem muita graça, e mesmo precisava fazer análise ou hipnose regressiva pra descobrir.

Gosto dessas associações porque elas me trazem os sabores que agora não posso mais degustar sem culpa e prejuízo do corpo. Nesse caso, a memória vira arca do tesouro, porque é por ela que de novo posso experimentar tantas delícias com seus respectivos aromas, cores e consistências que integram esse prazer tão exemplarmente castigado que é a gula.

Esse pecado, que o próprio corpo se encarrega de punir e interditar, bem podia servir de exemplo e parâmetro à justiça dos homens para corrigir e castigar outras gulas, essas sim, socialmente muito mais escandalosas que uma boa torta de chocolate, mesmo comida inteira.

14 comentários:

Cezarina Devos Macedo disse...

Parabéns pelos seus textos! Uma maravilha!Bem escritos e ainda gostosos de se ler!Você tem muito talento! Um beijo perfumado!

Fernanda Leturiondo disse...

Obrigada pela visita de dias atrás e por me trazer aqui.
Gostei muito, belos textos!
um abraço

Lord Broken Pottery disse...

Dade,
De se ler com água na boca, e lágrimas nos olhos, tamanha a emoção descrita. Meu lugar no mundo, infelizmente (também engordo e triglicerizo), é nos dois lados. Gosto de doces e salgados, igualmente. Entre os doces que me lembram a infância, um bem simples, o de sagu com vinho, sempre me volta afetivo. A torta de maçã da Alice, querida empregada de minha mãe que já faleceu, jamais saborearei novamente. É um gosto fadado a ficar na memória. Até porque a palavra cai muito bem, fadado lembra fada, e as mãos que a faziam eram mágicas. Agradeço o prazer da leitura.
Beijo grande

O Profeta disse...

Troquei as voltas a um Golfinho feliz
Afagei a cria de uma Baleia azul
Confundi uma nuvem com ilha encantada
Perdi-me na rota entre o Norte e o Sul

Aprisionei o olhar de uma gaivota
Enchi a alma com penas de imensa leveza
Enchi o coração de doce maresia
Adormeci nos braços da incerteza

Vem viajar comigo no meu barco de papel


Boa semana

Doce beijo

Janaina Amado disse...

Dade, este seu texto está delicio... epa! magnífico. Amei sua capacidade evocativa, tão bem realizada em palavras. Também sou doida por doces. Minha evocação mais querida, nessa área, é a do algodão doce, que flutuava levado pelos vendedores, hmmmm
PS - Estou querendo passar o link deste seu site para o acreditandonotruque, e acrescentar no enredosetramas o seu umbigodosonho, que é mais literário, e eu conheci depois. Você concorda? Abração.

Evandro Varella disse...

Deu água na boca só de pensar nas gostosuras que você falou.
Fiquei aqui pensando também se os pecados humanos se resumissem apenas a gula... seriamos todos gordinhos mas felizes e em harmonia, rsss
Excelente teu texto.
Abraços

Marcelo F. Carvalho disse...

Muito, muito bom esse texto!
As associações estão lindas!

Jose Ramon Santana Vazquez disse...

...vienen
volando
jazmines
de
las
sendas
hechas
amor
en
el
vendaval
del
corazon
que
gime
clama
como
llama
en
la
nieve
amorim as
tus
palabras
de
angeles
dando
oro
del rio
brotada
la
tarde
al
leerte...




desde mis ---HORAS ROTAS ---

TE OFREZCO MI CORAZON ,

COMPARTO TU BELLO BLOG .



SIGO TU:

---O BEM , O MALE O COLUNA DO

MEIO ---



CON UN FUERTE ABRAZO

LLENO DE EMOCIONES SIEMPRE.





afectuosamente .

AMORIM AS.




JOSE
RAMON...

douglas D. disse...

não sumi. é que tenho um certo número de blogs, cada um com uma cara. assim, por vezes algum deles fica abandonado...
<=

Graça Pires disse...

Fiquei com água na boca e com o meu açúcar em baixo...
Um belo texto, Adelaide.
Beijos.

Barbara disse...

Fui lendo seu texto muito bem elaborado , como quem desliza num tobogã de guloseimas ou como quem entra numa máquina do tempo, porque também lembrei dos doces da vó, da mãe, da tia...
Mas...não querendo ser advogada do diabo, será que não dá prá 1 vez ao mes, você se agradar sem culpa?
Não?...
...

Elaine Gaspareto disse...

Olá!
Este é um comentário-lembrete:
Amanhã, dia 20 de setembro, é o dia da Blogagem Coletiva Uma carta para mim em comemoração ao 1º aniversário do meu blog.
Como seu blog é um dos inscritos estou passando para lembrar.
Espero por você!
Elaine

Luma Rosa disse...

"Só de pensar engordo e triglicerizo até a alma". Sim! E da alma sai pelas pontas dos dedos, Fica tudo impresso em suas palavras!

Nostalgia é saudade doce!! No início comecei a lembrar dos cartuchos em forma de cone, que nos leilões das quermesses eram vendidos.

Miguel, Rafael e Gabriel, dormem em nuvens de algodão doce!!

Beijus,

Roberto Costa Carvalho disse...

Hummm... Delícias, muitas delícias!...

Já sinto alguns cheiros e alguns sabores. Nada melhor do que retornar à vida e às leituras e deparar-me com memórias tão, digamos, saborosas.