terça-feira, 4 de março de 2008

Edição extraordinária


Diogo Brasileiro. Chinelo.

Imagino que o anúncio do fim do mundo, nestes dias de comunicação vertiginosa, daria afinal uma oportunidade às pessoas para se revelarem do jeito que realmente são. Os ansiosos e hipocondríacos com que a gente sempre se esbarra aqui e ali possivelmente vão enfartar ou acabar com a própria vida sem ver o gran finale. E sempre haverá quem acredite que é doce morrer no mar. Ou dormindo, com ou sem gás aberto.
Mas a maioria talvez promova a maior festa de que já se teve notícia.
Afinal, acabou o primado do dinheiro, em razão do qual as pessoas ralaram a vida toda, obedecendo a horários menos ou mais implacáveis. Acabou a obrigação de honrar todos os compromissos, engolir sapo, aturar chefe ou patrão que se odeia ou fazer dieta. Casamentos de conveniência ou cansados de tédio podem enfim dar um alívio a seus reféns. Oprimidos e explorados podem afinal realizar seus sonhos mais libertários – e em alguns casos mais agudos dar vazão a instintos assassinos sem medo da cadeia. Exibicionistas, pervertidos, libertinos e seres assim em geral meio malvistos pela sociedade podem enfim arrancar as máscaras e se acabar na noitada. Cada um vai saber de si, e ninguém será de ninguém, se não quiser ser.
Por outro lado, os crentes, religiosos e místicos de todas as colorações estarão a mil, rezando, orando, cantando em coros desafinados, cumprindo penitências, fazendo procissões improvisadas, pregando enlouquecidos no meio das praças. Mais do que de costume, haverá público para eles, que são especialistas no além; nas horas extremas a credulidade das pessoas, que é diretamente proporcional ao medo, costuma atingir picos nunca dantes navegados.
Mas com certeza deve haver também místicos de profunda vida interior que escolherão acabar em recolhimento e silêncio, e para isso irão buscar o sossego das serras e florestas que ainda restarem por aí, porque os templos estarão entupidos de carolas e o ruído das ruas não lhes dará a paz necessária.
Paralelamente, os que se amam estarão juntos curtindo os últimos momentos com a possível serenidade que só amor de verdade pode dar. Apaixonados, recentes ou crônicos, vão querer morrer se amando, transando ou de mãos dadas em seus lugares prediletos. Artistas talvez prefiram esperar o fim praticando suas artes ou curtindo a beleza que deu sentido a suas vidas.
Não me lembro de ter algum dia parado para pensar em que reação teria diante dessa notícia. Mas já que falei no assunto, acho que ia querer reunir as pessoas que mais amo e liberar as comidinhas, os doces, o carinho e a doçura de estarmos juntos, sabe-se lá se pela última vez.

3 comentários:

ana v. disse...

Clap, clap, clap, Adelaide! Vou ter que citá-la outra vez no Cata-Ventos... adorei este post.
Beijinhos

Anônimo disse...

Bem, como escreveu o Lobão (não o Ministro das Minas e Energia, mas o cantor): "afinal de contas o fim do mundo não é nenhum fim do mundo, e se for, descanse em paz". De todo modo, adorei o texto, pra variar.

Lord Broken Pottery disse...

Adelaide,
Em 1910, quando da passagem do Cometa Halley, as pessoas achavam que o mundo iria acabar assim que a cauda dele, venenosa, encostasse na Terra. Todos morreriam sufocados. Como conseqüência: as igrejas viviam cheias, os pobres foram muito acolhidos já que os donativos eram em grande quantidade, ricos desfizeram-se de fortunas para gastar tudo de uma vez. Será que hoje seria igual?
Grande beijo