Isabel Allende. Eva Luna. 7ed. Trad. Luísa Ibañes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. 336p.
I. A. Contos de Eva Luna. 3ed. Trad. Rosemary Moraes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 238p.
Gosto desses livros que evocam uma voz interior que aos poucos toma conta da história e se apropria dela como se fosse a nossa. Não falo de vontade de plagiar, falo de identificação, de prazer ou fruição de ler, no sentido que Barthes dá a esses termos.
Isso acontece quando leio Clarice, e tem acontecido mais recentemente com a leitura dos textos de Isabel Allende.
Os Contos de Eva Luna me surpreenderam de um modo muito prazeroso. Reconheci nesses contos a linguagem que eu teria gostado de usar, se escrevesse aquelas histórias – e que histórias! Pareceu-me reconhecer os fantasmas, os personagens e até aqueles lugares, tão diferentes dos meus.
Allende encontra a postura certa para escrever, quando se deixa levar pelas palavras como se flutuasse, como se nada mais importasse na vida senão registrar suas memórias sem sentimentalismos, com suas impressões ricas de imagens e cores e o reconhecimento requintado dos sentimentos humanos. Ao mesmo tempo, há uma atitude meio animal no modo como a escrita flui num ambiente natural, frequentemente hostil, embora – ou por isso mesmo – carregado de encantamento.
Em Eva Luna há um tom autobiográfico, eu acredito. Embora vá muito além (não sem razão, ela toma como epígrafe um pequeno trecho das Mil e uma noites). É talvez falso o cenário, de um modo geral, e as pessoas por certo não são exatamente aquelas, com aquelas almas e aqueles nomes. É por isso que deixa no leitor um toque tão pessoal e ao mesmo tempo uma tal abertura, que esse leitor pode ser capaz de reconhecer um semelhante que narra alguma coisa profundamente pessoal e verdadeira. Na fantasia que permeia o texto e nas experiências e sinais que o tornam familiar, está inscrita a natureza humana.
A partir do que é simples e inequivocamente pessoal, não só pelo estilo ou por qualquer traço que denote apenas uma virtude técnica, o cheiro de gente impregna os contos do outro volume. Basta ter vivido. Se cultura é aquilo que resta depois que se esqueceram a letra da teoria e o que dizem os tratados, esse é o terceiro estágio do homem, um momento privilegiado do existir, quando uma leitura pode tocá-lo de modo direto, intuitivo e sem retoques. E pode também mover seu braço em direção à caneta e ao papel - ou ao teclado - tomado pelo gosto de uma literatura visceral. Nem que seja só para tomar notas ou marcar a página onde uma passagem o tocou mais de perto.
Para mim, é a isso que um escritor (diferente de um escrevente, que pretende narrar um fato em sua objetividade ou esboçar uma teoria) deve ambicionar, mais do que à lista dos mais vendidos: ficar na memória, deixar um traço, ser uma evocação prazerosa na vida de algum leitor.
11 comentários:
Fico atenta às suas sugestões, pois gosto de saborear o mesmo tipo de literatura: longe de serem os mais vendidos, os livros que mais me tocam são aqueles que sabem falar com a alma.
Beijos
Ué, mas os escreventes também são necessários... (ou não?)
Dade, nunca li nada dessa escritora (nem A casa dos espíritos - é dela esse livro? -, só pra você ter uma ideia). Mas já anotei essa tua sugestão.
Um abraço.
Ainda não li.
Mas é excelente autora.
saudações poéticas
Também sou fã de Isabel Allende. Eva Luna é um livro excelente.
Obrigada por lembra-lo aqui.
Um beijo.
Envolvimento que trespassa
até mesmo a atenção dessa
voz que nos ouve e também
que nos leva pelo texto.
É um momento prazeroso.
Daí que se diz (creio)
ler um bom livro.
Carinhoso abraço.
Aprecio a escrita de Isabel Allende. Tenho alguns dos seus romances, mas ainda não este. Uma boa sugestão.
Obrigada!
L.B.
Vc acredita, dade, que ela (IA) não me alicia?
Que bela indicação, querida Dade!
Li e me encantei!
Gostaria de ter escrito este seu texto! rs...
Como não escrevi, com sua licença, assino embaixo.
Grande abraço, querida!!!
Com certeza é isso que todo escritor deve ambicionar!
ótima dica!
Abraços!
This is great!
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