segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Drogue-se



Entre as substâncias capazes de lhe provocar viagens inesquecíveis e nunca – mas nunca mesmo – uma bad trip, chamo sua atenção para algumas ao alcance de todos e que não lhe trarão nenhum prejuízo financeiro, moral ou neurológico. Olha só: se você estiver no Rio, vá até o Arpoador ver o pôr-do-sol. Junte-se aos viciados que quase todo dia se encontram lá para provar os efeitos do visual. A única despesa pode ser talvez a passagem ou o combustível, mas até o estacionamento é grátis e não há consumação ou couvert artístico. (E não venha me dizer que nada disso envolve “substâncias”: o meio ambiente está carregado delas, e as sensações que provoca mexem com suas sinapses sem destruí-las ou lesar suas funções, viu?)
Há outras drogas assim, naturais, inofensivas e até benéficas à saúde. Você pode por exemplo andar pela floresta e, no meio daquele silêncio absoluto (não é o absoluto o que se busca nas drogas?), ouvir algumas vozes que com freqüência parecem cintilar ou entoar alguma música de autor desconhecido, em geral deliciosa para os ouvidos e muitas vezes intrigantes, verdadeiros desafios de som. Acresça-se a leve brisa e o visual do lugar, e as sensações mais gostosas tomam conta de você e o tiram do ar.
Quer ver outra droga de efeito? Olhe para o céu com vagar e toda sua atenção. A qualquer hora ou lugar de onde possa. Analise as formas das nuvens mutantes. Procure distinguir as tonalidades que o céu apresenta, em especial de madrugada e à tardinha.
Sempre que puder, olhe também para o mar, de qualquer ângulo e a qualquer momento. Ele garante um tempo de paz ou arrebatamento em que você pode mergulhar sem medo e esquecer seus problemas, angústias, medos e contas vencidas.
Se ainda estiver acordado, for plantonista ou sofrer de insônia, ou ainda se gostar de pular cedinho da cama, viva a madrugada. Mergulhe nela inteiro, sinta seus cheiros, ouça os sons de seu silêncio; observe a luz, o céu, as árvores; escute e veja os pássaros.
Há ainda outras opções: a arquitetura de sua cidade, antiga, neoclássica ou contemporânea. A diversidade dos bairros, a beleza e o aconchego de certas ruas e ambientes. O desenho das montanhas, o sorvete da Shaika.
Outras opções podem lhe ocorrer em tudo lucrativas. Ler o que lhe dá mais prazer, por exemplo. Livros não faltam, nem bons autores. Livrarias ótimas, sebos perfeitos onde você se sente tão à vontade que pode até tirar os sapatos ou levar uma cadeira de praia para escolher com mais conforto. Sem falar de uma atividade que o envolva inteiro e que, mesmo não lucrativa, lhe dê um enorme prazer e o faça sentir-se realizado – pesquisas, artes plásticas, música, escrita, moda, teatro... ou economia, quem sabe?
E os papos com aqueles amigos do peito que curtem os mesmos assuntos? E os planos de reforma do apartamento, a vontade de fazer alguém muito feliz, a expectativa de um encontro que promete bons momentos? Se a questão é um bom afrodisíaco, vamos à praia no verão; dançar ou mergulhar na luz das noites de luar intenso em boa companhia também costuma dar certo.
A lista pode não acabar nunca, porque o melhor guia para conseguir acesso a um barato incomparável é sua própria imaginação. Sendo assim, vamos combinar que é uma burrice enfrentar as caras feias e os fuzis dos hômi. E se o que você mais deseja é o desafio do perigo, pratique um esporte radical ou entre para a polícia. Ou para a política, de preferência integrando-se a uma CPI bem cabeluda. Ou então se envolva na investigação do caso Celso Daniel.
Emoções e sensações prazerosas são um pressuposto da vida. E se a gente só as consegue adicionando uma droga ao próprio organismo, alguma coisa não está funcionando como devia. A vida não é simples, a gente sabe, e existem coisas capazes de interferir em nossa capacidade de aproveitar tudo que ela nos oferece. Mas nesses casos, será que a droga pode resolver? Por tudo que se sabe até aqui, quase sempre é um temível complicador.

NA - Texto reeditado.

6 comentários:

AC disse...

Dade,
Já vivi na grande cidade, agora vivo no campo. Embora com excepções, o público alvo deste seu bom texto parece-me ser o urbano, onde o ritmo de vida é frenético.

Beijo :)

Halem Souza disse...

Não sei quem é o autor da frase, mas acho sensacional: "existem coisas melhores que o álcool na vida, mas ele torna mais fácil não possuir nenhuma delas"

Não passo sem essa minha droga (não custa lembrar, álcool é droga!). Sou fraco, dependente e pouco imaginativo? Certamente, A meu favor, só posso dizer que nem todos na vida nasceram para ser Dalai Lama.

Ah, lembrei de outra frase, esta do grupo O Rappa:os remédios normais não amenizam a pressão"

Um abraço.

P.S. Fui mais casca-grossa que o habitual, não? Perdão, estou numa fase péssima...

Tania regina Contreiras disse...

Menina, sabe o mais recente apagão em oito estados nordestinos? Nossa, o que ouvi de gente falando dia seguinte da beleza do céu estrelado!!! E o céu está tantas vezes estrelado, as luzes e a correria não deixam a gente ver.
É isso, outra maravilha arrebatadora: o céu estrelado em noite de apagão! rs
Beijos,

Celso Ramos disse...

Perfeito Dade!!!
Agente vai complicando muito a vida..na verdaade aos poucos nos damos conta de que precisamos muito pouco para viver com alegria. O frenezi da novidade, me parece, é o que apaga a beleza e a riqueza das coisas simplesmente ricas!!!
Como já larguei as dreogas a muito tempo..consigo curtir tudo de cara limpa... isso é que dá ONDA!!!

Em@ disse...

Dade,
subscrevo com conhecimento de causa. estas são as minhas 'drogas'.
beijo

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Ô Dade, quebra essa, mana... arruma aí umas "graminha" de primeira desses "bagulho" que você falou aí... rsrsrsrsrs...
Quem dera a todos nós uma overdose de drogas assim! Um beijo grande e parabéns pelo ótimo texto.