segunda-feira, 21 de maio de 2007

São Darcy, rogai por nós


Gravura Albert Dührer. Melancolia.

Ligeiramente estarrecida (contradições estão em moda!), li o artigo do Renato Janine Ribeiro no suplemento Mais! da Folha de São Paulo. Janine, um filósofo que até aqui respeitei muito, autoridade intelectual reconhecida, professor de ética da USP, defende idéias nada moderadas quanto à punição penal dos autores do bárbaro assassinato do menino João Hélio aqui no Rio. Entre outras coisas, ele diz que “pena de morte é pouco”. Quer uma “morte hedionda” para os assassinos de João. Parece que o professor está de pleno acordo nesse ponto com muitos prováveis companheiros de cela dos infelizes, com a ressalva de que nenhum deles teve a sorte de cursar uma universidade e conquistar uma carreira brilhante como a de Janine.
Que eu saiba, nem os pais do menino disseram coisa semelhante. Foram até muito moderados, quando ouviram o pedido de perdão da mãe de um dos monstros, e deixaram bem claro seu amor ao filho pela dor que deixaram transparecer, sem qualquer desejo de vingança ou traço de ódio. Ao contrário, em meio a todo o sofrimento pessoal, ouvimos do pai do menino que um povo que pode eleger um presidente e depois expulsá-lo é capaz de consertar o que vai mal na sociedade – uma declaração de confiança e equilíbrio digna de admiração. Pediram justiça, um direito de todos que há séculos nos é negado por aqui. Disseram também que a morte do filho não devia ser em vão, uma declaração que demonstra um espírito de cidadania exemplar.
Entendo que a opinião pública esteja exigindo castigo à altura para assassinos desse tipo de crime, porque qualquer cidadão normal sabe o risco que a impunidade significa. A lei penal em vigor está cheia de defeitos, é insuficiente e ineficaz, e tanto as penitenciárias como as casas de correção para menores são reconhecidamente fábricas de criminosos e oferecem verdadeiros cursos de pós-graduação no crime às pessoas que deveriam sair de lá como cidadãos úteis à sociedade. Isso também os pais de João notaram e expressaram. Todo mundo sabe que o processo penal é uma mentira, está todo ele por assim dizer fora do espírito da lei, porque falha miseravelmente, em todas as instâncias, no objetivo de ressocializar o réu ou proteger a sociedade. O que esse processo tem conseguido é contaminar policiais e representantes da lei com a mentalidade e as ações dos bandidos.
Mas as reformas necessárias, algumas das quais já tramitando nos labirintos do Legislativo, não precisam levar a marca da violência e da brutalidade que infelizmente já vigora nas cadeias e nos meios policiais. Ao contrário, será que não é mantendo a cabeça no lugar e legislando para corrigir o que está errado, isolar o que não tem recuperação e preservar a paz e a liberdade da sociedade que se pode reduzir a insegurança e o pânico que estamos vivendo?
A linha defendida por Janine, ao contrário de trazer mais tranqüilidade às pessoas, seria um incitamento ao crime dentro da cadeia – desnecessário, como todos sabem – e fora dela. O crime, a violência e a barbárie não precisam disso para existir e proliferar. O que se quer e precisa é exatamente do contrário. Penas mais duras, mais longas, sim – mas também presídios em que as pessoas possam aprender viver como gente civilizada.
Os bandidos se formam de muitas maneiras, mas na origem de todas elas está a falta de assistência de uma família digna desse nome, capaz de dar apoio e proteção a suas crianças; a falta de escola ou a escola tardia, e de um Estado que forneça a quem não pode pagar serviços de saúde e educação, emprego e inserção no trabalho e na sociedade. Sem esmolas, sem demagogia: simplesmente cumprindo sua função.
Se o Darcy Ribeiro está nos vendo, não sei como consegue ficar quieto no paraíso sem intervir neste momento de nosso país.

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