
As crianças se encontram na pracinha e imediatamente entram em um grau de sintonia: se olham, trocam uma ou outra palavra, sorriem e começam a brincar. Nunca tinham se encontrado antes, mas o simples fato de serem do mesmo tamanho e adivinharem que gostam das mesmas coisas as identifica. Sentam juntas no chão, dão-se as mãos, riem, brincam e correm numa amizade instantânea.
Claro que os adultos não podem agir com a mesma espontaneidade. O que é uma pena, mas realmente não se recomenda. A comunicação entre eles não é tão fácil, a vida já lhes ensinou que é preciso desconfiar de um estranho, muito embora saibam que algumas coisas continuam a ser comuns a todos.
Mas perder a espontaneidade da infância não é motivo para hostilizar o outro. O famoso benefício da dúvida pode ir além de uma atitude forçada e politicamente correta, para admitir um gesto exterior de atenção e um gesto interior de certa boa vontade. Para um adulto, sentar no chão com o outro equivale a acolhê-lo de maneira civilizada e reconhecer nele um semelhante.
As sementes da intolerância se alastram muito mais depressa quando se vive sem dar atenção aos outros, ingorando ou menosprezando quem está a nossa volta. Nada bom para o mundo e as pessoas, porque é dessas sementes que brotam as guerras, os ódios que vêm para ficar e a violência de todas as formas.
Não que todo mundo deva virar madre Teresa de Calcutá, um ideal para poucos. Falo de uma solidariedade pequenininha mas sempre presente, imediata, do dia-a-dia, que se dirige ao vizinho, ao irmão dentro de casa, ao marido ou à mulher, aos filhos, a quem passa por nós e viaja em nossa condução. Uma solidariedade que vê mais longe do que a roupa que o outro veste ou sua condição social.
Empatia, estar alerta ao que o outro diz e faz – ou seja, ser capaz de demonstrar compreensão desarmada. Conviver sem a pretensão prévia de julgar ou se defender a priori, como se o outro fosse sempre o inimigo em potencial. Não é tão fácil quanto parece, mas é possível, mesmo sem ignorar os sinais reais de perigo que nos cercam nas cidades e aos quais também é preciso estar alerta.
Talvez ser feliz dependa de saber acolher e ser acolhido em qualquer situação. É preciso ter a noção do que um gesto de simpatia pode conseguir: relaxa, desarma, cria um clima favorável ao entendimento. É preciso ter espaço interior de manobra para deixar espaço para os outros, e o grande mal do mundo (que não nasceu hoje, mas está atingindo uma tensão insuportável) é uma intolerância que nasce exatamente do não-entender, e mais ainda do não querer entender nem se identificar com algum traço de quem está diante de nós – e que no entanto é também uma pessoa de nossa mesma espécie, noves fora as diferenças individuais.
Cordialidade e delicadeza não fazem mal a ninguém, nem são sinais de fraqueza. São sinais apenas de boa vontade e compreensão. Mas para isso é preciso entender que cada vida está ligada às vidas do mundo todo, perceber o significado da generosidade não como uma virtude que torna alguém superior aos demais, mas uma decorrência da precariedade de cada um.