Piglia, Ricardo. Prisão Perpétua. Trad.Rubia P. Goldoni e Sérgio Molina, S. Paulo: Iluminuras, 2002.
Um desfile de personagens que têm em comum um descompasso com a vida seria uma primeira impressão, mas não a definitiva. Conheci Piglia pela adaptação de Plata Quemada, o primeiro livro seu de que ouvi falar e um dos melhores filmes que lembro de ter assistido. Confirmo esse ponto de vista com o conjunto harmônico de relatos da desarmonia existencial que compõem Prisão Perpétua.
São personagens com cheiro de gente real, vivendo uma vida nada charmosa. A ambição do poder e do dinheiro se desnuda em sua forma mais cruel e a autoestima não chega sequer a ser cogitada. Isso me leva a pensar nos big brothers da vida, na exaltação do egocentrismo e no sonho de ascensão fácil que eles não só traduzem como realizam. Sinais de nosso tempo, que os textos de Piglia ilidem sem discutir. O pano de fundo dessa maneira de ver as coisas talvez seja mesmo a consciência da finitude que acompanha o homem, único animal capaz de captá-la.
(Noves fora o profetismo ou qualquer coloração mística, todas ou quase todas as religiões conhecidas enfatizam em seus códigos um item sobre o fato de que as civilizações preparam sua própria destruição, à medida que fortalecem seus costumes no que eles possam ter de consentidamente opressivo.)
Mas tal extrapolação não está, ao menos diretamente, ligada à visão de mundo de Piglia. A consciência da finitude, sim, com certeza. Ela informa os personagens de seus textos e lhes dá um caráter literário muito sedutor.
Não por acaso, Piglia aparece em O Mal de Montano, de Enrique Vila-Matas, que visitamos há um ou dois meses, e trata de diários de escritores e das referências esclarecedoras que representam para o leitor e a crítica. Há ainda em comum as citações literárias, que de alguma forma remetem às escolhas de Vila-Matas, como Roberto Musil, Witold Grombowicz, o onipresente Borges e alguns outros.
Mais que tudo, há o Nada rondando do início ao fim do livro, como uma forma de filosofia desajeitada. Histórias de crimes e uma violência surda permeiam todos os contos, povoados de figuras marginais e amores pisados. Em um desses relatos – “Anotações sobre Macedonio num diário” – explica que, para o escritor protagonista, o maior problema são “as relações do pensamento com a literatura. O pensar [...] é algo que pode ser narrado como se narra uma viagem ou uma história de amor, mas não do mesmo modo. Parece-lhe possível que num romance possam se expressar pensamentos tão difíceis de forma tão abstrata como numa obra filosófica, mas sob a condição de que pareçam falsos. Essa ilusão de falsidade”, diz Renzi [o comentarista do escritor], “é a própria literatura”
5 comentários:
Gosto muito do Piglia de O laboratório do escritor, Formas breves, O último leitor. Vou procurar este. Excelente resenha.
Dade:
Há tempos em que não temos empatia com os enredos de amores pisados e de figuras marginais; é o que acontece agora comigo. No entanto, vou atrás dos contos, depois de sua exposição.
Bjos
Plata queimada é um dos melhores filmes que vi nos últimos dez anos, mas infelizmente não conheço a obra do Piglia.
Acho que agora já sei por onde começar.
Obrigado, Dade!
Estou agradecendo a informação - prá lá de oportuna.
Vou dar uma olhada sim.
Fiquei com vontade de ler o livro. Obrigada, amiga. Um beijo.
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