terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Objetos mínimos


Desenho de Manoel de Barros.

Olhou para a caixinha de plástico verde sobre o peitoril da janela da copa e desencadeou uma corrente de sensações amenas. Como se estivesse diante de um lago sereno cercado de canteiros floridos, árvores e sombra. Ficou assim parada, fruindo a caixinha e seus dons. Não lembrava de onde teria vindo, mas sabia que estava em sua vida há muito tempo. Devia estar associada a um momento muito feliz. Uma caixinha de plástico verde, e o verde nem era tão bonito.

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A boneca está meio desconjuntada, braços de pano pendentes, cara de nada absoluto. Que bobagem, uma contradição em termos. Como pode ser o nada absoluto, se é uma boneca, mesmo assim, quase se desfazendo? Verdade que existe o tempo – parte dela já virou pó, já não é a boneca que foi a princípio. E se não é mais aquela do início, começou a navegar no nada. Fico solidária e um pouco assustada. O nada absoluto está em meu rosto também.



A tigela desbeiçada à beira do caminho, num resto de despacho – encruzilhada de alguma esperança – a faz lembrar de alguém batendo um bolo antes da hora do lanche; um bolo batido à mão, colher de pau, os ingredientes honestamente espalhados na bancada da cozinha antiga de chão revestido com ladrilhos hidráulicos bem gastos. No meio da cozinha a mesa em festa, crianças sorrindo em volta da cesta de pãezinhos quentes, dourados, o café acabado de passar no bule esmaltado de azul, o bolo no centro da toalha muito alva, verdadeiro milagre, chega a ser luminosa de tão branca. E ainda nem existia o sabão em pó.



A formiga carrega seu pedaço de folha pelo caminho de pedra. Em volta, o jardinzinho bem tratado, cheio de cores, bem no centro do planeta. No céu, a Via Láctea protegendo os telhados.

7 comentários:

Cecília Borges disse...

Manoel de Barros fica na cabeceira - aparentemente simples, ele carrega a mais fina sensibilidade!
Beijo, Adelaide.

CoRa disse...

Tive a honra de entrevistá-lo para o Metrópolis. Figura encantadora. Palavras que soltam cheiros e sensações. Ele é demais!

Adorei tua visita! ;)
beijos estou muito feliz que estejas de volta à web

Cris disse...

Oi, Adelaide

Delícia de leitura. Leve, criativa, carinhosa, brejeira...

beijão

Milena Magalhães disse...

Adelaide, Almodovar é uma lição de vida a cada cena; td porque não se propõe a dar nenhuma lição!

E Manoel de Barros é igualzinho. Leva-nos sempre para nossas lembranças mais simples e mais contundentes. Como um pingo de água que faz lembrar de outro.

Um beijo.

Anônimo disse...

O primeiro livro que ganhei foi do Manoel, e ele está guardado a sete chaves na mnha lembrança.

Este ano, quero-te mais e mais.
Bjao.

Graça Pires disse...

Deliciosa a escrita de Manoel de Barros. Comovente e criativa.
Um beijo.

Fragmentos Betty Martins disse...

._______querida Adelaide



Manoel de Barros_______...

.simplesmente ADOREI este texto

____faz poucos dias que estive a ler___"O Guardador de Águas" de tanto já o ter lido sei-o de cor


amo demais



.obrigada por esta maravilhosa partilha


__________///









beijO______ternO
bFsemana