domingo, 9 de novembro de 2008
Saber não é compreender
Desenho de Escher. Reptiles.
Quem aprende e quer saber, mobiliza recursos que podem incluir números, teorias e construtos mentais. Uma pesquisa bem orientada, uma análise menos ou mais aprofundada podem formar especialistas e mestres competentes.
Saber sobre o assunto da manchete “Insegurança derruba preços dos imóveis”, por exemplo, supõe conhecer dados do mercado imobiliário, dados de sociologia em diversos ramos, psicologia e economia em vários níveis. Saber alguma coisa é sempre multidisciplinar, pressupõe uma atitude acadêmica e não abre mão de estatísticas e que tais. Saber é, por definição, eximir-se por abstração, tornar impessoal um fenômeno ou um feixe deles. Saber pode render entrevistas, livros vendáveis, nome em destaque, respeitabilidade e certo charme midiático. Saber é duro, frio e multifacetado como um labirinto em cujos corredores ninguém se perde, porque traz marcados os passos e aponta direções de forma nítida. Um labirinto sem Minotauro.
Saber é importantíssimo em todos os momentos da vida, em qualquer situação. Mas não pode ser entendido como compreender, que vem por outras vias. Saber é sempre a posteriori, mas compreender pode ser simultâneo. E é um labirinto passível de perdição. Pode até dispensar parte dos saberes, o que nem sempre é conveniente, mas pode. Compreender, num primeiro momento, é para uso interno, mas quase sempre mobiliza e frutifica em ações. Compreender é também mais arriscado que saber. Usando um exemplo muito concreto, compreender é como um trem que descarrila e só se entende exatamente por quê depois que se encosta a cabeça no chão, ao lado dos dormentes, e se vê o ponto exato onde se deu o desencontro, passa-se o dedo no lugar do desnível e se percebe o grau do impacto, o jeito melhor de evitar que se repita e outros pequenos detalhes, aparentemente irrelevantes, mas que fazem parte de um todo que vai muito além e, paradoxalmente, fica aquém do saber puro e simples.
Compreender não é respeitável nos sentidos usual e oficial do termo. Compreender é querer ir adiante. Ter vontade de ser, identificar-se. Estar ali presente, inteiro, e deixar desprotegido o coração. Compreender dispensa desdobramentos constrangedores, depoimentos compulsórios de pessoas que sofrem, formulários e presença da mídia, porque registra tudo sem precisar exibir o óbvio nem enfraquecer as imagens espontâneas com simulacros que visam um alto ibope para o canal da reportagem ou a revista que esmiuçou a vida alheia. Compreender é sempre pelos cinco sentidos, sem falar nos sete da sensibilidade mais fina. Por isso dispensa pronunciamentos oficiais e aguça a empatia, a intuição, o sentir com, o ver com olhos de ver.
Não é que o saber seja inútil. Longe disso. Mas ele só vale na relação com os outros quando ajuda a compreender, quando tem interesse em compreender, existe em função de compreender. Há quem ignore isso. Há quem negue isso – e aí já entra a malícia humana – e se escandalize com tais assertivas. Mas é que sem esse – digamos – pressuposto, saber é nada na ordem natural das coisas, ordem à qual pertencem o bem-estar, o desejo humano, a paz e outros bens infungíveis.
Saber que não visa compreender é um disfarce, um virar a cara e fingir que não vê. Saber assim produz apostilas, ensaios, monografias, livros e publicações especializadas; anais de congresso e seminários. Se ninguém no entanto avocar esses dados para melhor compreender alguma coisa que se assemelhe a gente, eles serão certamente consumidos pelo fogo frio da inutilidade que arde invisível em milhares de estantes, bibliotecas e depósitos de papel esquecidos pelo mundo. Um fogo cujas chamas podem congelar os que têm o saber como meta final e se encerram em uma crosta de arrogância e presunção, o coração vazio para sempre.
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5 comentários:
Certíssima, linda. Compreender é uma arte, saber escolha e oportunidade.
beijão. Ainda correndo, mas logo volto. Adorei tua lembrança da Crisete rsrsrs ( um amigo comum nosso me dizia: "Crisete vai pegar!" ).
beijo querida.
Lindo, Adelaide. Gostei muito, concordo inteiramente.
Lindo, Adelaide. Gostei muito, concordo inteiramente.
Concordo com a Cris sobre o texto.
Ando com saudade de vc, espero que estejas bem.
Boa semana!
Amigos do Coluna do Meio, estou sem tempo de ver vocês com calma, do jeitinho que eu gosto. Obrigada pela presença e pelos comentários. Até breve, beijos.
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