sábado, 19 de julho de 2008

Conselhos: modo de usar

Foto Ana Reczeck.


A moça tinha pele saudável, lindos dentes e olhos brilhantes. Concentrei a atenção no que ela dizia naquele programa de entrevistas que visito sempre que possível, porque muitas vezes aprendo coisas dos convidados. “O ideal são duas por dia, mas pode consumir mais do que isso sem susto. Laranja não tem contra-indicações, só vantagens.” Seguiu discorrendo, sempre muito convincente, sobre as virtudes da fruta. Lembrei que na semana anterior tinha ouvido outra nutricionista bem articulada falar da melancia, absolutamente indispensável para quem quer se manter em boa forma.
Depois da apologia da laranja, foi a vez de um dermatologista entusiasmado com as virtudes da água. De tudo que ele disse – e foi muito – ficou um bordão: mais de dois litros de água por dia. Mais de dez copos. E não vale substituir a água por sucos ou assemelhados (refrigerante, nem pensar). Até aí tudo bem, não tomo mais refrigerantes. Mas tomo sucos, porque são gostosos e saudáveis. Então são onze ou doze copos de água, mais dois de suco, no mínimo. Isso se você dispensar o vinho tinto, cujos benefícios – dizem – podem prolongar nossas vidas atribuladas.
Impressionada, imaginei que seria preciso andar com um cantil a tiracolo para satisfazer essa exigência. Levar laranjas para o trabalho e a melancia fechada num tupperware, que quando se abrir espirrará caldo pelas adjacências.
Nem tudo porém estará resolvido por essa dieta. E a maçã, fonte de vitaminas B, niacina e sais minerais? As uvas, que além de suavemente laxativas, fazem bem ao fígado, estimulam as funções cardíacas, são deliciosas e antioxidantes? Sem falar nos figos, energéticos, com potássio, cálcio e fósforo, que contribuem para a transmissão normal dos impulsos nervosos; na fruta-de-conde, cheia de qualidades medicinais, no caqui etc. E o papaia nosso de cada manhã? A ameixa, fresca e seca, ambas utilíssimas ao organismo? E que sobre espaço e tempo pra manga e abacaxi, pêra e graviola, um que outro açaí em misturas energéticas.
E tem o leite, necessidade indiscutível em quantidade ponderável todo santo dia, porque sem isso a osteoporose não encontra resistência e corrói nossos ossinhos sem contemplação. Naquele mesmo programa de entrevistas falou-se ainda de alface, tomate, pimentão, cenoura e berinjela na dieta diária; de brócolis, couve-flor, agrião, espinafre, rúcula, inhame, aipim, abóbora, beterraba e na inefável batata-baroa, esses últimos – vá lá! – duas vezes por semana. Arroz integral, legumes cozidos com a casca, frango ou peixe sempre grelhados (xô, carne vermelha!) todo dia. Alguém precisa organizar esse caos de preciosidades alimentares, e para isso nada melhor que um nutricionista de plantão em nossas vidas.
Fiz um balanço das recomendações, às quais juntei as castanhas, amêndoas, cereais, grãos e demais badulaques que, todo mundo sabe, precisa-se mandar pra dentro com assiduidade. Feitas as contas, descobri que precisava no mínimo de setenta e duas horas por dia pra cumprir todas as recomendações da nutrologia e da medicina – e nem cheguei ainda à imprescindível atividade física de vários tipos, que exigiria, calculando por baixo, mais duas horas diárias e algum personal-qualquer-coisa que nos ampare.
Em nome da saúde da mente e do espírito, especialistas de várias áreas vitais recomendam ainda não perder contato com a realidade que nos rodeia; estudar; praticar alguma atividade prazerosa – um hobby, jardinagem, cuidar de um animal de estimação, fazer cursos sem outra razão que a satisfação pessoal, participar de grupos cujos interesses partilhamos e assim por diante. Outra preocupação indispensável: cuidar da aparência – higiene, pele, mãos, pés, cabelos, maquiagem e cosméticos, incluindo ainda a postura, a escolha das roupas etc.
Mas tem mais: pelo menos cinco ou seis especialidades médicas reclamam sua presença em seus consultórios uma, duas ou mais vezes por ano, mesmo que você não sinta rigorosamente nada. E há até quem recomende uma colposcopia semestral para prevenir pólipos ou ameaças semelhante nas voltinhas dos intestinos; além de um confortável enema periódico para deixar o tubo limpinho – e mais uns trocados na conta do doutor. E mais: pequenos exercícios têm que ser repetidos ao longo do dia, porque fortalecem musculaturas tão importantes como os esfíncteres, o abdome, os glúteos, as articulações em geral. Também é imprescindível respirar sempre bem, praticar respiração abdominal, alongar muito desde que se acorda e ainda achar um tempinho pra devanear ou meditar, o que, segundo os profissionais da área psi, é a respiração da mente.

Se você tem filhos, um emprego que deseja conservar e cumpre suas obrigações cotidianas em casa, é possível que não lhe sobre tempo pra seguir um quinto desses conselhos. Talvez consiga fazer pouco mais da metade, caso viva só e tenha uma empregada que resolve todos os pepinos (me dê o telefone dela); mas não sobrará tempo pra ir ao cinema, um teatro, bater um bom papo, ler um livro ou ver televisão. E à noite, exausto da longa maratona, empanturrado de comida saudável e empapuçado de líquidos até a alma, você dormirá como uma lorpa assexuada. Até porque, seguindo esse ideário, não haveria por que nem como pensar em mais alguém além de você mesmo.

Como qualquer pessoa normal está farta de saber, vale a pena algum esforço para prolongar essa bênção que é uma vida saudável. Mas se a gente der ouvidos a todas as dicas supostamente autorizadas, não vai sobrar tempo para viver. E como, dizem os sábios, os extremos se encontram por oposição, a vida passará a ser uma obsessão permanente para exorcizar a morte.

5 comentários:

Cris disse...

Adelaide... Obrigada pela lembrança do dia do amigo. Citei vc lá no sítio.
Quanto à beleza exterior apenas ...se a paz genuína não for conquistada, minha amiga , não há copo de suco que consiga nutrir a alma ressequida...

Beijão, querida.

Lucia disse...

Adelaide:

Foi impossível não rir, lendo o seu texto. Aquilo que nos é proposto, hoje em dia, para a manutenção "de uma vida saudável" extrapola nossa capacidade física de realização. Acho que o seu texto serve para que a gente reflita muito seriamente e tente encontrar um ponto de equilibrio, baseado nas informações, sim, mas com uma dose imensa de bom senso, pois se tentarmos seguir tudo aquilo que a midia apregoa o tempo todo nunca conseguiremos nem mesmo ter as tão necessárias 8 horas de sono diárias, quanto mais a tão propagada qualidade de vida.
Beijos, e um feliz Dia do Amigo para você.

Graça Pires disse...

Um texto cheio de sentido de humor e muita ironia...
Como dizia a nossa Beatriz Costa: prova de tudo e não comas de nada.
Um beijo

Félix Maranganha disse...

Aconselhando a aconselhar! Bem legal isso! Bom o texto!

Cris disse...

Bom dia, querida!

Vamos tomar um suquinho e acordar?

beijão.