quinta-feira, 20 de março de 2008

Já dizia o ministro

"Poetas, seresteiros, namorados, correi..."



Desde o primeiro Clair de Lune que pairou sobre os telhados irreais de minha infância, passando por Ouro Preto em noites enluaradas, acho que a Lua não pode ser um mero satélite. Prima do vento, namora o mar, mas rola com as nuvens, instiga as tempestades e some. Não há oráculo nem pesquisa que indique as origens da obnubilação que essa luz feiticeira convoca. Luar em minha opinião é composto por fractais físicos, mentais, espirituais ou só visíveis pelo intelecto e a olho nu. Começa aí o paradoxo - o olho nu do intelecto. Não fosse por essa luz, ficaria bem mais difícil entender que há coisas que não entendemos, ou que entendemos só em parte, ou de que experimentamos os efeitos sem nunca chegar a definir causa suficiente que os explique. Luar tem tudo a ver com todos os eus que carregamos, tormentos e euforias escondidos como caracóis iludidos pela proteção da casca.
Luar é afinal reflexo da luz solar, reflexo de reflexo (fractal, fractal), luz da palidez de um corpo morto que inventa uma vida. Luz da esterilidade física, fecundando tudo que toca. Luz de um corpo de utilidade dúbia, apontado como regente das marés, de crescimentos, humores e de tudo que dizem mas não provam. Estímulo para a visão dos olhos e da imaginação dos homens - a julgar pela quantidade de obras que tem inspirado - e dos cães, a julgar pelos uivos que lhes arranca. Combustível grátis de magias negras e coloridas, bruxarias e assombrações, alimento de medos. Nosferatu. Figura do êxtase, do mistério; terror e seus deleites. Sugere o que a sombra esquece. Luminosidade lânguida que mais esconde que mostra, mãe de todas as ilusões sem futuro, signo ambíguo de bom astral. Inventora de emoções. Acompanhado de brisa, é pele fresca, véu de leve agitado, que roça as coisas e suaviza o sentimento causticante de existir. Se há flores, é perfume, e o silêncio se nutre de sua luz; se a noite é fria, é conforto; se é verão, o luar é o gozo.

3 comentários:

Anônimo disse...

A lua nunca perde seu prestígio, ao menos enquanto tiver aquela luz que é um feitiço para nós.
Lindo texto, Adelaide.
Carinho
JdC

Anônimo disse...

lembra de la luna?
eu lembrei
kss

ana v. disse...

que beleza de texto, Adelaide! Mas já não me espanto, tudo o que você escreve é bom mesmo.
Eu sinto-me irmã ou filha da Lua, por isso nunca a vejo como um mero astro desabitado e árido. Acho que todas as mulheres sabem do que falo.
Um beijo