sexta-feira, 20 de abril de 2007

Síndrome de La Toya


Foto Bina Fonyat.

Por que será que as pessoas não conseguem se satisfazer como o que são?
Lembro de uma personagem de uma novela das sete, a Anastácia, que se recusava a ser chamada por esse belo nome e exigia que a chamassem La Toya, como a irmã do Michael Jackson. Que por sua vez também não admitiu ser quem é e quis ser outra pessoa, ter outra cor, outro rosto, agir como se tivesse outra idade e outra identidade.
A coisa tem um lado grotesco, porque é risível que uma pessoa se deprecie a ponto de tentar impingir aos outros uma imagem e uma personalidade que não são as suas. Parece no mínimo um traço psicótico. Mas de tão comum, tão repetido, a gente acaba achando que deve haver por trás desse fenômeno algo mais que uma simples desordem mental. Os casos como o de Jackson são casos extremos, casos-limite, que deixam pistas sobre seu desequilíbrio e sua confusão interior. No entanto, muita gente sofre do mesmo mal. Gente que conhecemos, que faz sucesso ou não.
Não é novidade para ninguém que principalmente nós, dos grandes centros urbanos – mas não apenas nesses centros –, vivemos uma lavagem cerebral diária. Tentam nos massificar, nos estandardizar de todos os lados e por todos os meios. Interessa ao mercado, e o mercado, até ordem em contrário (será que algum dia chega essa ordem?), governa nossas vidas e nossos pensamentos, dita o certo e o errado, nos mantém à tona dos acontecimentos, bombardeando nossos olhos de informações e afirmando à exaustão que não podemos ignorar nada do que se passa a nossa volta nem as tendências dominantes de nosso tempo, e nessa roda-viva não nos deixa tempo para ouvir o silêncio, que é quando podem vir à tona a voz de nosso desejo e nossa criatividade.
Uma grande porcentagem das informações “que não podemos perder nem ignorar” seria perfeitamente dispensável. Até viveríamos bem melhor sem elas. Mas temos medo de perder o pé, parecer mais velhos do que somos ou aparecer mal aos olhos de nossos amigos, parentes e conhecidos. E como não “perdemos tempo” com reflexões, nem nos permitem analisar o que acontece fora das diretrizes oferecidas pela mídia, embarcamos na opinião alheia com mais facilidade do que supomos, delegando o direito de pensar a quem nos parece equipado para isso, e continuamos recolhendo imagens da moda e palavras de ordem que nos ditam como e onde comer, o que vestir, que corpo devemos ter, o par ideal e como trepar tirando disso o máximo proveito – enfim, como é essencial exibir os sinais de que somos vencedores. O que será que nos falta para descobrir isso tudo sozinhos?
A coisa chega ao extremo em casos como o de Anastácia, ou por falta de lastro que a impeça de flutuar no mar das aparências, por causa de uma frustração ou carência emocional, ou sabe Deus mais o quê. Mas esse frenesi de narcisismo, de exibicionismo, acaba nos afetando a todos em menor ou maior grau.
Não é grave quando a gente está consciente do que acontece, consegue se manter nadando com os próprios braços e é capaz de crítica sobre os próprios atos e sobre os mandamentos que nos enfiam garganta abaixo. Mas é um estrago em muitos casos que conhecemos bem de perto. E mesmo que não nos destrua, essa voz alheia em nossos ouvidos nos aliena e enfraquece o próprio de cada um.
Aqui não se trata de água mole em pedra dura, mas de palavra em argila que ainda não endureceu. E a palavra, hermanitos, é bem capaz de deformar essa argila. Quem é Anastácia, precisa ser e amar a Anastácia que teve a sorte de ser. Fora disso, tudo entorta, tudo muda de cara, tudo é matéria em decomposição.

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