sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Dentro de mim mora um anjo tipo B




Nelson Rodrigues dizia que “o palavrão está corrompido pelas mulheres”. Numa entrevista publicada na Veja em 13 de março de 1974, quando foi lançado O Anti-Nelson Rodrigues, ele declarava: “Eu tenho uma profunda nostalgia do velho palavrão. Quando percebi que as mulheres começavam a dizer palavrões, eu me tornei na vida real o homem mais antipornográfico do Brasil. Eu não digo mais palavrões. (...) Tiraram a dignidade e o dramatismo do palavrão.”
Desconfio que a bronca do velho Nelson era mais da ordem da estética rodriguiana do que propriamente pelo fato corriqueiro de a mulherada ter liberado a linguagem, antes ou depois de liberar o resto. Na verdade, hoje o que perdeu a dignidade e o dramatismo não foi bem o palavrão. Se ele tivesse conhecido a mulher-melancia e a quitanda que veio depois, diria que tiraram a dignidade da bunda.
Mas o palavrão continua uma instituição inabalável. Nada substitui o auxílio luxuoso de um p*#@, de um c#*$& na hora de uma topada e nos momentos de ira profunda, quando alguém nos irrita a níveis inenarráveis ou o telefone toca lá na sala exatamente na hora em que você entrou debaixo do chuveiro e começa a se ensaboar.
Lá de vez em quando deixo escapar unzinho ou outro, nesses momentos cruciais da existência. Mas tenho alguns substitutos para eles, resquício dos hábitos da família pequeno-burguesa onde cresci. Com a condição de que não queiram dizer mais nada do que o que o momento exige, acho que essas palavrinhas não me tiram de todo o gosto de reagir às agruras do dia-a-dia sem dar um mau exemplo escancarado aos mais jovens nem passar atestado de grossura em mim mesma. Tenho amigas e parentas que educadamente exclamam meleca, puxa ou cacilda; porém tais palavras não têm a força de um palavrão pornográfico, porque estão contaminadas de outros sentidos mais usuais, e por isso mesmo não chegam a expressar de modo satisfatório o estado de espírito que o momento requer.
Costumo apelar para termos tais como bláumida, adjuricaba, carmenótipa, simônjara trepódica, expressões que me vêm quando estou puta demais da vida. Não querem dizer nada que alguns palavrões já consagrados não pudessem resolver. Mas não ando dizendo palavrões a torto e a direito, minha educação não permite. Então, e já que não sou o anjo que a família gostaria de ter produzido, inventei, ou melhor, deixei virem à tona essas palavras, palavrões exclusivos em estado puro. Elas foram criadas em momentos de raiva, dor ou falta de alternativa para mudar alguma situação que exigia reação verbal à altura. Dessas que, se você aguenta calado, perigam te fulminar com um infarto. Respeitadas as condições aqui expostas, posso emprestá-las a vocês, que também foram educados pelos códigos celestes e sofrem de supereguite que nem eu. Mas veja lá, não me corrompam a integridade dessas palavras violentas com futilidades como as reportagens da Caras, comédias da sessão da tarde ou o bbb.

14 comentários:

Janaina Amado disse...

Adelaide, de volta das férias, de novo nos blogs passei aqui, para um abraço e para relê-la, o que sempre acho bom. Eu já fui criada em família boquirota, onde o palavrão rolava solto. Não me intimido, envergonho ou aborreço com eles, mas falo pouco. Questão do gosto. Ou de personalidade, não sei.

Lord Broken Pottery disse...

Adelaide,
Delícia de assunto. O Nelson Rodrigues era um sábio. Conservador, mas um sábio. Direitista demais, em época ruim de ser de direita, mas ainda um sábio.Já fui incapaz de aceitá-lo. Hoje, olhando-o com olhos menos radicais, tenho por ele respeito e admiração. A questão do palavrão, porém, não me incomoda. Se vier de boca inteligente aceito. As piores palavras saem de bocas ignorantes. Burrice e falta de sensibilidade são de baixíssimo calão.
Beijos

Gisela Rosa disse...

Adorei o texto e sua (re)volta!
Um abraço

disse...

Lindo!!!

Anônimo disse...

adelaide:
esse índio barroco irritado é o nélson?
um abraço.
romério

Anônimo disse...

"Bláumida, adjuricaba, carmenótipa, simônjara trepódica? O que é isso, Minha Nossa Senhora dos Praguejadores?

Talvez siga seu conselho e pegue alguns emprestados. Embora eu deva admitir que falo palavrão com bastante freqüência, mais até do que seria tolerável.

Um abraço.

http://sinistrasbibliotecas.blogspot.com

ARMANDO MAYNARD disse...

Palavrão, o que é isso, uma palavra grande, comprida, como se chegou a essa conclusão de que tal palavra é um nome feio? É, todos nós usamos palavras desse tipo no dia-a-dia, muitas escapam sorrateiramente, essa é uma palavra grande, seria um palavrão? Estas convenções...Deixando de conjecturas, vamos ao feijão com arroz, gosto muito de usar a palavra "caramba" mas muitos preferem "pô" (no lugar de "porra). O melhor mesmo seria que cada um criasse seu própio palavrão.

Marcelo Amorim disse...

Adelaide, minha prima (gostei desse parentesco), ando com dificuldade pra me manter conectado. Estou envolvido com muitos trabalhos e projetos que me tomam um belo tempo, e principalmente quase todos os neurônios de que dispnho. Ee quando estou em casa não tem como, já que moro num mato com cachorro mas sem internet. Preciso ajeitar isso, a coisa do blog, da troca, o livre expressar, isso tudo é delicioso. Vamos ver o que consigo mais adiante. Agradeço muito sua visita. Um grande beijo.

Cris disse...

Oi, Adelaide,

Divulgo alguns palavrões de estimação. Mas só como reforço de linguage...

Beijo, querida.

Marcelo F. Carvalho disse...

"ele tivesse conhecido a mulher-melancia e a quitanda que veio depois, diria que tiraram a dignidade da bunda". Adê, esta tirada é simplesmente maravilhosa!
________________________
Abraço forte!

D Z disse...

Oi Adelaide,

Foi impossível não sorrir enquanto lia seu texto...

Realmente, a educação que tive não me permite dizer palavrões do tipo @#$% ou do tipo @#$@*&%... Sempre fico com "Vá tomar banho" ou "Seu mané" ou "Droga!" e assim por diante rsrs

A invenção de novas palavras foi uma boa rsrs

Uma ótima noite para vc...

Bjs!

Dany

Fragmentos Betty Martins disse...

._______querida Adelaide




.por vezes bem que apetece dizer uns quantos palavrões:=))


mas



de facto não sou do estilo




(sinto as suas palavras.obrigada)


______________///









beijO_____ternO

Anônimo disse...

adelaide:
esse anjo tipo b me intriga.
um abraço.
romério

Dona Sra. Urtigão disse...

Mas os palavrões, aqueles, os classicos, deixaram de ser, ao tornaram-se simplesmente adjetivos, não mais exclamados em momentos apropriados(?), mas fazendo parte da linguagem corriqueira. Perdem a força. Faz com que seja necessário a invenção de outros ou então substitui-los por alguns nomes próprios como...este mesmo que voce pensou.