quarta-feira, 16 de abril de 2008

Tamagoshi falante



O celular, esse secretário do dia-a-dia, resolve tantos problemas quanto os que cria. É verdade que posso falar com quase qualquer pessoa que me interesse de quase qualquer lugar e quase a qualquer hora. Mas se o levar muito a sério (e às vezes é preciso), transformo o aparelhinho de aparência inofensiva num ser que de alguma forma me domina. Um tamagoshi (lembram dele?). Uma espécie de filho sem o amor necessário para cuidar dele sem irritação.
Se estou no cinema, no teatro, em um show ou num casamento, mas espero uma chamada importante, tenho que baixar o volume do ringtone para que não me faça pagar um mico, mas devo mantê-lo em contato comigo para não perder a tal chamada. E a chamada que recebo ou é engano ou é do corretor que me vendeu um apartamento no ano passado e tem uma ótima sugestão de cobertura na Barra que não me desperta nenhum interesse. No trabalho, no carro, em casa, há diferentes protocolos para lidar com ele: ligar, desligar, menos ou mais volume, nunca perder de vista e de ouvido, manter contato físico ou não. Num passeio ou reunião informal, é câmera fotográfica obrigatória, porque as pessoas ficam discretamente ofendidas de não merecerem a atenção de uma foto. E se você possui um celular sem câmera, que espécie de pessoa será você?
E quando o som picota, e você não sabe se grita, chega perto da janela ou sacode o bichinho? E os sinais misteriosos que ele emite em seu visor mas não lhe dizem nada absolutamente? E os recadinhos indecifráveis que exibe, ainda que a chamada corra normalmente, só para: a) intrigar o usuário ou b) mostrar que é que manda nessa relação? E as mensagens comerciais, que o matam de raiva por ter que parar o que estava fazendo para atender ao plim? E se você está dirigindo e esqueceu o fiozinho do áudio? Pela lei de murphy, é multa na certa.
E fique ligado, porque no aeroporto é preciso desligá-lo até depois do embarque, ligá-lo na espera inútil de alguma chamada, porque você não pretende fazer nenhuma, e, chegado ao destino, constatar que justo aquela cidade está na região que ele não pega. Durante seu sono, não desligue o celular, porque alguém pode precisar de você – e aí a moça do telemarketing aproveita a calma das seis e meia da manhã pra começar seu trabalho e acorda você, que foi dormir às quatro e não consegue adormecer de novo.
Enfim, um celular é um must e um saco. Um fardo leve e pequeno quanto à utilidade que pode ter em momentos estratégicos, e uma mala sem alça de um modo geral.

3 comentários:

Cecília Borges disse...

Adelaide, trabalho com produção de TV, então o celular é minha sombra. Se o diretor resolver dar chilique, se a comida pra equipe é pouca, se a figurinista ficou com febre, o meu número é o S.O.S.
Fiquei escrava, o que é uma pena. Ás vezes sinto falta de uma profissão que exista "acabou o expediente"!
Um bj.

Lusitano disse...

Isto, Adelaide, são grafias antigas, certamente ainda em uso no século XVIII e correspondentes, acredito, a uma pronúncia diversa daquelas palavras. Obrigado pela visita e pelo comentário. Beijo.

Huckleberry Friend disse...

É estranho pensar nas coisas sem as quais vivemos durante décadas, mas que depressa se nos tornam imprescindíveis...