
Como se sabe, a segunda é o dia útil mais inútil da semana, de vez que existe com a finalidade precípua de oferecer um descanso após os agitos de sábado e domingo.
Que o digam esses bravos rapazes que se sacrificam por nós no Congresso, na inóspita cidade de Brasília, que nem esquina tem direito, boteco então nem se cogita, e que têm sido acerbamente criticados por legislarem em causa própria.
Tudo isso só porque aproveitam seu frenético cotidiano – que vai de terça a quinta-feira todas as semanas do ano, que não sejam de recesso nem de férias ou eventuais licenças nem estejam em viagem – para reparar a clamorosa injustiça de seus salários relativamente tão minguados. Afinal, o que são 12 mil e lá vai (muita) fumaça para uma pessoa do quilate deles? É justo, justíssimo, que pretendam e lutem bravamente para chegar aos 16 e lá vai mais fumaça ainda, enquanto na verdade visam os 20 e poucos (mais a fumaça, é claro, que sem fumaça ninguém vive).
Fique claro que fumaça quer dizer ajudas de custo – casa, alimentação à altura, transporte do melhor e grátis sempre à mão, viagens – durante as quais ninguém pensa em aproveitar para se divertir, porque a consciência do dever os inocula por inteiro. Ia esquecendo a boa apresentação e a moradia mais que apenas decente que o decoro parlamentar exige, além da necessidade de estar em dia com a saúde e a aparência física. Tudo isso custa (muito) dinheiro. Fumaça neles.
A galera do feijão-com-arroz nem faz idéia dos sacrifícios que esses denodados cidadãos fazem pela pátria e pelo bem-estar da mesma dita galera. E como se não bastasse o peso de tantas obrigações e dedicação, ainda querem que eles vivam como o Zé povinho, pagando por todos os serviços de que necessitam para bem cumprir seus sagrados compromissos com o povo que os elegeu. Será que não dá pra reconhecer que esses homens precisam de paz, alegria de viver e muitos prazeres extras (físicos, como comida de primeira, massagistas dadivosas e bons programas em ambiente seleto; morais, como o dinheiro, e intelectuais, como o poder) para dar conta de tão complexo recado?
Pior – coisa inominável, dá até tristeza pensar nisso – querem que eles paguem por pequenos deslizes que em nada prejudicariam seus amados eleitores, caso não houvesse sempre invejosos e boquirrotos para denunciá-los. Gente de mau caráter. Querem perturbar a paz do povo com notícias sensacionalistas e confrontá-los com CPIs e assemelhados. Gente que não conseguiu se elevar à categoria de intocáveis que eles conquistaram. Essa gente não pensa que, para chegar lá, se expuseram a riscos inimagináveis, só comparáveis aos que correm os falsários, soldados do tráfico de drogas e assaltantes de bancos. E não pensa tampouco que o povo viveria muito mais feliz sem que suas manobras – sempre mal interpretadas – chegassem ao conhecimento do respeitável público.
Gastaram as solas de inumeráveis sapatos, se arriscaram às intempéries, sofreram indigestões pantagruélicas em almoços puxados a pratos exóticos de preparo duvidoso, levaram tombos memoráveis de palanques improvisados e enrouqueceram de tanto clamar pela atenção dessa espécie ingrata e desavisada dos eleitores indecisos. Tudo em nome de uma causa nobre, qual seja, se arrumar para o resto da vida e amparar a (própria) família com uma fortuna tão mais bela quanto mais sólida. Abnegados rapazes. Têm toda nossa compreensão.