
Todo mundo ouve dizer que planejamento e organização fazem toda a diferença. As ciências de administração e gerenciamento, ligadas ao mercado, já provaram que sem planejamento e organização dificilmente uma estratégia funciona, por mais inspirada que seja.
A filosofia do mercado nos entra pelos ouvidos e pelos olhos a cada passo. Através da publicidade e da propaganda, engolimos o pragmatismo de seus princípios. Entram por osmose, pela repetição, pela atração das imagens. Às vezes cansam, são de mau gosto, mas o importante é que estão aí, e quer a gente queira, quer não, essas mensagens interessadas e interesseiras grudam na pele, e um dia descobrimos que seus valores já nos são tão familiares, que não há por que não concordar em que o pessoal das casas baiúca só quer o nosso bem; que se a gente usar o xampu da cantora de axé music vai ficar com aquele cabelo irresistível (que nem é o dela) ou que só o supermercado potiguara fará nosso lar feliz.
A novidade está em que, felizmente, nem tudo na vida está ligado ao lucro. Temos uma vida pessoal – mesmo influenciada no dia-a-dia pela propaganda e pelo marketing. Essa vida também exige organização, controle (em especial da grana que, dependendo de como lidamos com ela, pode ser mais volátil que éter sulfúrico). O dia parece curto demais para a quantidade de coisas que devem caber dentro dele. Então, haja organização, planejamento e atenção para não deixar o tempo e o comércio nos passarem a perna.
Mas – e há tantos mas quantas imagens existem dentro de cada um – temos também o lado moleque, que gosta de (boas) surpresas, adora uma novidade inesperada, fica entediado com facilidade e acha de uma monotonia insuportável ter que fazer todo dia a mesma coisa. O que fazer dessa pessoa sem nenhum juízo que habita até mesmo os presidentes de bancos centrais? Deixar que morra à míngua de alegria e virar uma múmia ambulante? Hobbies e diversões usuais ajudam a manter o moleque vivo, salve eles, mas só isso não chega. Mais importantes são os contatos humanos, as amizades, o amor, as emoções que é preciso guardar em segurança para evitar que se machuquem na impessoalidade do mundo.
O moleque gosta de colo e carinho genuínos e desiteressados; tem uma antena poderosa para captar a falsidade e a mentira, que o fazem sofrer mais que tudo quando vêm de alguém em quem se confia. E como o moleque é muito amigo do acaso, convém guardar um espaço para ele nas gavetas do dia. No começo é difícil, porque o acaso costuma passar fortuitamente e é preciso ficar atento. Depois, com o passar do tempo, aprende-se a usar o acaso nas doses certas, sem prejuízo da organização necessária. O acaso funciona em nossa rotina como óleo no motor. Junto com o acaso, costuma aparecer o espanto, e quando ele dá as caras é uma alegria só, porque o mundo fica novo. O espanto costuma soprar boas e novas ideias e renovar as energias que pareciam esgotadas.
A atitude estudada e autoimposta, que algumas pessoas assumem, e que ignora esse lado casual, é responsável por homens e mulheres-robôs, determinados a vencer na vida de qualquer maneira, que desprezam solenemente qualquer concessão ao moleque. Mas o que será mesmo “vencer na vida”? Acredito que seja poder fazer o que se gosta e se faz com mais prazer, mesmo que não seja o mais rentável, e persistir nisso. É complicado, em muitos casos até impossível, por questões de subsistência. Mas que nunca se perca de vista o desejo – ele garante a sobrevivência do moleque e o mantém alerta para o acaso, além de fornecer a dose necessária de esperança, que não precisa ser irrealista, mas tem que existir para que haja alegria em viver. E sem cartão de crédito, porque nada disso tem preço.