
Imagem Blue Molleskin.
Dizemos que um sapato é desconfortável quando machuca o pé ou não nos dá segurança no andar. Do mesmo modo, uma roupa nos deixa irritados quando incomoda – uma gola, a manga mal colocada, um cós muito apertado. É desconfortável dormir numa cama dura ou macia demais, sentar num sofá demasiado fundo, numa cadeira muito estreita. Frio ou calor em excesso nos deixam indispostos. Carne muito dura, comida salgada ou insossa, água morna, frutas ácidas demais – tudo isso traz desconforto ao corpo.
Não vamos falar das piores coisas, como a depressão ou a tristeza extrema por uma perda, uma doença que cause grande mal-estar ou uma dor física.
Mas há outros desconfortos. Alguns muito sutis, como aquele instante em que de repente, sem causa aparente, o mundo nos parece um saco, tudo fica sem graça e até fisicamente a gente se sente mal dentro da roupa sem motivo. Em geral é passageiro, felizmente, mas desce não se sabe de onde nem como. É como se subitamente a gente ficasse de mal com a vida, incômoda para si mesma. Acontece e passa, mas às vezes deixa o tédio – outro estado nada confortável.
Desconfortos inconfessáveis podem estragar bons momentos: um absorvente que se descolou de seu devido lugar quando não há toalete à vista; um botão estratégico que se solta de sua casa quando não se pode tornar a pregá-lo ou um molho que pinga na blusa, um café quente demais que nos queima a língua.
Há também pessoas inconfortáveis. Um cara inconfortável é um ser pouco acolhedor. Pode chegar a ser mesquinho, um completo chato ou apenas meio canguinhas. Não falo de generosidades materiais, mas de uma certa generosidade afetiva, necessária ao bom relacionamento como o lubrificante ao bom funcionamento da máquina. A sovinice emocional pode ir da arrogância que fulmina o próximo até aquele olhar crítico que te atinge no exato momento em que você mais apreciaria um gesto solidário. É o(a) cara que ironiza teu carro novo quando você está mais eufórico por causa dele. Ele(a) inveja, deprecia, faz alusões incômodas ou indiscretas. Ele não gosta de ver o outro feliz. Não alivia. Não cede o lugar. É o primeiro a correr para a mesa e atravanca o acesso dos outros em seu direito à comida. Não segura o elevador quando você vem chegando afobado.
E há os que simplesmente não se apercebem de quando sua presença não é desejada, e o amigo ou conhecido a duras penas controla o desejo de se ver livre. Nem é muito difícil perceber essa situação. Mas certas pessoas acham que sempre vão agradar, se você é amigo ou simplesmente já foi simpático com elas de outras vezes. Na verdade, é preciso um certo feeling para perceber que em certos momentos nem a companhia da própria mãe da gente seria muito bem-vinda. E que é muito desconfortável e até angustiante ter que fingir contentamento quando tudo que se deseja é ficar sozinho, seja lá por quê. E que nesses momentos talvez o melhor seja deixar um sinal de amizade – uma simples flor, um carinho, um doce – sem perturbar a solidão do outro.
É duro aturar quem não tem medidas para demonstrar o quanto é bondoso, generoso e quer provar sua amizade de qualquer jeito, ainda que seja invadindo, forçando o convívio e a confidência. Quem fala quando se quer silêncio, quem padece da aflição de consolar aquele que não está aflito, mas apenas triste ou cansado. Às vezes é melhor o sapato apertado.