segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Um livro pode ser um ente querido



Ler é um diálogo monologado – o autor fala e o leitor aproveita as deixas.
Pode-se gostar do que se lê ou ler por necessidade de alguma informação, estudar ou se divertir. Mas assim como um filme que nos toca mais fundo, uma música que se torna tão nossa que a partilhamos com o autor e pesquisamos sobre ele para descobrir que afinidade é essa, um livro pode ser uma peça de arte, um objeto útil ou raro, mas também um ente querido responsável por momentos de muito prazer na vida.
Quase sempre as diferenças individuais determinam a maneira como se lê. A não ser que você esteja frequentando uma oficina sobre o assunto ou fazendo um treinamento para apurar e aproveitar melhor o ato da leitura, normalmente segue a trilha aberta pelo próprio temperamento ou pela própria neura.
 Acredito que a maneira mais usual seja ler um livro de cada vez até o final, a não ser que se desista antes disso – ou porque não se desenvolveu ainda o hábito de ler e fica difícil concentrar a atenção, ou porque o livro realmente não despertou interesse suficiente, e o tempo é artigo raro demais para ser desperdiçado.
Mas conheço gente que lê o início, salta alguns parágrafos, passa os olhos em outros, tenta entender tudo nessa dinâmica saltadora e segue aterrissando aqui e ali até abrir as últimas páginas para ver como acaba a história. Se houver muita familiaridade com o ato de ler, às vezes se consegue captar assim o sentido geral do texto. Perde-se alguma coisa do significado, mas pescam-se muitos peixinhos menores. E pode ser um prejuízo sério, no caso de livros mais densos, estilos ricos e textos muito originais ou recheados de dados interessantes de conhecer. Mas um leitor experiente sabe o que está perdendo com esse comportamento errático e provavelmente só usará esse modo pouco convencional de ler em textos mais rasos, narrativas simples que não exijam muito de quem lê.
Não é raro que quem lê por hábito, e muito, leia vários livros de modo simultâneo. E obviamente algum – ou alguns – será(ão) sempre mais apreciado(s) que outro ou outros. O que acontece quase sempre é leitura dinâmica nos casos mais leves e leitura continuada e reflexiva em textos responsa. Costumo fazer isso, sem prejuízo nem culpa. É como se o texto mais denso fosse a matéria principal e o outro, ou outros, a hora do recreio. O que não consigo fazer é ler ao mesmo tempo dois livros importantes ou superinteressantes, já que um texto desses exige minha atenção integral.
 Nem é só atenção. Um livro envolvente, com o qual nos identificamos e nos causa um prazer todo especial, implica também um envolvimento afetivo que é quase uma paixão. Há livros que se leem para conhecer e outros para conhecer e curtir. Mas em qualquer dos casos, sempre vale a pena, ainda que seja para se manter em dia com o que está rolando, ganhar e aprofundar conhecimentos ou, quem sabe, acertar numa escolha premiada.  
 Haja tempo e haja livros. Mas acima de tudo, haja desejo.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Ler é uma delícia, mas L.E.R. é muito chato

Tenho tentado contornar o problema, mas não há jeito. As DORT – Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho, L.E.R. para os íntimos, são persistentes e muito incômodas, obrigam a gente a parar durante um bom tempo, até que os sintomas desapareçam e nos deixem em paz e em forma de novo.

O que pega é que o computador passou a ser pau para toda obra. Criar textos, construir ou consultar planilhas, ler, visitar sites, pesquisar, enfim, qualquer atividade depende dele. E como o trabalho “sério” – leia-se remunerado – é sempre preferência nesses casos, não há outro jeito senão reduzir as atividades diante a telinha, dar folga aos dedos e descansar os olhos também.

Apesar das férias recentes, não me afastei do teclado. Havia outras atividades para pôr em dia, e embora suprimindo boa parte das postagens e comentários, o L.E.R. continuou galopante. Pediu tempo, e disse secamente punto e basta, com cara de Totó, o italiano da novela.

Espero que não demore muito. Vou sentir falta dessas conversas virtuais, das trocas, do carinho desses amigos e de seus textos, poemas e comentários que me dão tanta alegria.
Agradeço por eles, de todo coração.

Beijo para todos. E até qualquer dia.

Dade




segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O que é um vencedor?

Imagem sem menção de autor.



Acho bem difícil falar desse assunto, que faz cócegas em um dos paradigmas de nosso tempo. Afinal, como explicar a razão da vida sem que a satisfação do ego predomine? Já não estamos na era mística em que se pregava a renúncia às glórias mundanas. Ao contrário, hoje tais glórias norteiam as ações de tanta gente que fica difícil argumentar contra. Para muitos, é líquido e certo que educar bem um filho consiste em orientá-lo no rumo da vitória, seja nos estudos, no amor ou na carreira – entendendo-se por vitória o sucesso financeiro e social. Aumenta a cada dia o número dos que acreditam que a felicidade se alcança passando por cima dos que não souberam se impor e não dedicaram seu tempo e energias exclusivamente a competir.

Nada contra vencer em qualquer domínio de atividade. Ao contrário, quando alguém vence e se destaca, em sua carreira, nos estudos ou no amor, experimenta uma das grandes alegrias que a vida oferece. Um filho vencedor recompensa muitos esforços dos pais, assim como um marido ou uma mulher que se destaca é motivo de orgulho para quem ama de verdade e para seus amigos sinceros. Mas viver é bem mais que isso.

Enquanto a vida avança e a idade aumenta, esbarramos em inúmeras razões de alegria e até de felicidade genuína que não estão ligadas ao fato de ser ou não um vencedor, nesse sentido estrito adotado pela civilização ocidental, em especial no Novo Mundo (que, convenhamos, parece precocemente envelhecido e meio esclerosado). Se até os vinte e poucos anos todos experimentamos a deliciosa sensação de onipotência que a juventude garante, mesmo que não corresponda à verdade objetiva, depois dos trinta quase sempre começamos a ver a vida com olhos menos delirantes. Se não estivermos obcecados por esse ideal ególatra e afetivamente esterilizante de vencer a qualquer preço e destruir todo mundo que possa atrapalhar essa meta, seremos capazes de avaliar a vida com olhos menos ansiosos.

Então começa um ciclo que pode ser o mais produtivo e o melhor de todos, quando aprendemos a amar nossas realizações e tarefas, enfim, o trabalho que sai de nossas mãos, assim como certas pessoas que nos rodeiam. Se a maturidade nos encontrar sadios e ativos, é quase certo que teremos ao menos identificado e começado a procurar os caminhos que nos conduzirão à realização pessoal, a mais importante de todas, ou aos relacionamentos melhores para nós. Isso quer dizer o encontro da vocação de cada um e sua realização afetiva. Descobrir o que gostamos mais de fazer, ainda que as contingências do dia-a-dia não nos permitam uma entrega completa a essa atividade, é tão ou mais gratificante que subir num pódio. Assim como amar alguém e poder partilhar a vida com ele/a; tomar as próprias decisões com liberdade; aprender a admirar as pessoas que nos parecem dignas disso; abrir mão de alguma coisa por vontade própria por alguém são satisfações tão ou mais importantes que uma vitória forçada, às vezes constrangedora. E ainda que nosso trabalho no dia-a-dia não traga a glória, que seja bem realizado e alimente uma autoestima saudável.

Há muitos tipos de vitória. Mesmo que não desfraldem bandeiras para o mundo, as vitórias íntimas, partilhadas por quem de direito, garantem paz de espírito, alegria de viver e até felicidade. O melhor conceito de vencedor não é tão estrito como se quer fazer acreditar. E talvez tenha muito mais a ver com alegria do que com dinheiro.