domingo, 7 de dezembro de 2008

Não tenho medo de errar


Foto Claudio Edinger.


Devia escrever mil e quinhentas linhas dessa frase – não tenho (muito) medo de errar. Medo de errar, como todo medo, pode ser um sentimento destrutivo quando trava, imobiliza, faz perder muito tempo, embaça a alegria, caso em que é um sinal de burrice, neurose e/ou muita insegurança diante da vida.

No entanto o medo de errar pode até ser construtivo e mesmo necessário, porque faz você se instruir, aprender, aguça a curiosidade. Medo bom é o que empurra para frente, ativa a adrenalina e leva à ação. Em qualquer momento da vida, em qualquer circunstância, medo é como cavalo, que sob controle é útil e agradável, leva longe e poupa energia, mas se em vez de ser conduzido passa a conduzir, adeus passeio ou viagem tranqüila. O que em geral acontece quando se tem medo de ter medo.

Um teste para avaliar a qualidade de nosso medo é ficar atento ao grau de curiosidade que ele é capaz de desencadear. Se nos atiça a descobrir mais, se faz pensar e pesquisar, como fazem poetas e artistas, a quem tudo interessa para ampliar seu espaço de criação, ou o cientista, que progride porque pesquisa e experimenta, sempre aberto a mudanças e diferenças – se for assim, que esse medo seja bendito. Assim como acontece com a curiosidade das crianças, que têm que superar o medo do desconhecido (que no caso delas é a realidade à qual estão sendo apresentadas a cada momento) para se desenvolverem de modo saudável.

O medo de errar que não ousa, prende as pernas, cala a boca e ata as mãos, só faz sofrer. E pior ainda, destrói o que há de mais fértil nas pessoas.

Daqui pra frente, quando eu errar, me avisem. Cheguem com carinho, sem sarcasmo – um pouquinho de ironia pode, mas sem perder a ternura. Quem quer o bem do outro, diz sempre a coisa certa.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Lembranças do útero



Adélia Prado. Filandras. 2 ed. Rio de Janeiro-São Paulo, Record, 2002. 155 p.

Filandras, de Adélia Prado, é um passeio por uma região de Minas Gerais. Não a Minas de BH, cidade grande que diluiu aquele jeito ingenuamente esperto, ou espertamente ingênuo, de ser que ainda persiste nas pessoas do interior. Não a Minas histórica, monumento tombado pela ONU, com ares de superioridade cultural. Nem a Minas do vale do Jequitinhonha, produtor de um bonito artesanato e torturado por muitas fomes.
A Minas Gerais de Adélia é a da infância feliz, dos rituais familiares repetidos e no entanto tão doces de lembrar. A Minas da fartura sem culpa, da comida caseira feita para o prazer de ver em torno da mesa as faces queridas, ouvir as vozes confortadoras trocando histórias de um mundo onde o grande luxo consiste nas certezas sem arrogância, na fé transparente e humanizada, no corpo instalado na vida como quem participa de uma festa.
Adélia escreve em estado de graça. Não porque se aliene da realidade dura do mundo e se recuse a sofrer com ele, mas porque aceita, com naturalidade e sem medo, fruir a vida e as alegrias que apesar de tudo ela pode dar. Escolheu dividir o que tem de melhor – o sentimento de uma poesia pacificada e pacificadora que diz sim ao amor, à amizade, às diferenças e ao prazer. Mas o que move essa aparente – e efetiva – simplicidade é uma personalidade estruturada com a firmeza dos alicerces das casas seculares de sua cidade.
Para quem está acostumado à austeridade e à frieza da cidade grande; às mensagens permeadas de violência que esse convívio nos manda todos os dias; à indiferença, ao primado das aparências, aos apelos do consumo, esses textos podem soar como a referência a uma espécie de paraíso impossível, em que muitos não acreditam mais ou nem chegaram a experimentar – a não ser talvez como uma lembrança confusa do útero materno.




O pé-sujo dos livros

Ainda que a gente se encontre desse jeitinho – através de nossas máquinas quadrilaterais, vocês diante de seus monitores em Carangola de Minas, Cruz Alta do RS, no Canadá ou no Nepal, e eu aqui no Rio de Janeiro –, sem precisar do corpo presente do livro impresso, estamos falando de textos, e por extensão de livros.
Precisamos deles em miolo e capa, e é uma pena que o tempo seja tão curto, os livros tão caros e que aquele livro que a gente queria tanto, mas tanto, não se encontre em mega nem pequena livraria nenhuma. As livrarias exibem os estoques de última geração que as editoras desovam e que às vezes nem chegam a vender, porque a divulgação e a propaganda andaram mais devagar que a produção. Mas sempre há um jeito de dar a volta nas leis frias do mercado. No caso dos livros, funcionam trocas, e-books, empréstimos, livros comprados por um grupo que irá partilhá-lo, doações ou sebos.
Leitores inveterados, obsessivos, pesquisadores, sem grana ou curiosos vão aos sebos da cidade onde moram e esquecem do tempo descobrindo exemplares que nem planejavam comprar, mas que uma vez descobertos viram objetos de desejo. Sebos – incluindo as feiras do livro – têm isso de bom: além de gastar muito menos, com sorte a gente encontra aqueles esgotados sem chance de nova edição. Em matéria de clima e rituais, o bom sebo está para a livraria assim como o pé-sujo está para o bar da moda.
As bibliotecas podem quebrar bons galhos sem despesa ou quase. Mas o livro que você traz pra casa não vai dormir em sua estante por mais de quinze dias. E se daí a três, quatro meses, ou até alguns anos depois, você ou alguém próximo precisar dele? E se te der uma louca vontade de rever aquele personagem, ouvir a música daquele texto? Livro é um objeto um pouco misterioso e tem isso em comum com as pessoas: se você for além da capa e tiver a curiosidade de conhecer o que existe dentro dele, pode ter boas surpresas. Por isso tudo, às vezes deixa saudades.

Se você digitar “sebos” no Google, vai achar à direita da página uma lista de patrocinados que é uma festa. Além dos outros todos – virtuais inclusive, que você consulta sem sujar as mãos. Para sebos do Rio de Janeiro, o site http://www.ruavista.com/sebos.htm traz uma boa lista.