terça-feira, 28 de outubro de 2008

Mania de blog


Para o Houaiss, mania tem – entre outros não tão amenos – o sentido de gosto ou preocupação excessiva (por ou com algo).

Um blog costuma virar mania para quem o inventa. Mas depois de inventar o primeiro, a mania vai se enraizando e multiplicando-se os blogs. Há quem abra três ou mais e até uma página própria. Com o tempo ficou fácil abrir esse(s) espaço(s) próprio(s), mesmo que na rede não passe(m) de um (ou mais) entre dezenas de milhões.

Segundo citação do site IDG Now, em 18 de abril de 2006, a Technorati revelava que o número de blogs havia crescido 60 vezes em três anos. Havia então 35,5 milhões de blogs e era publicado 1,2 milhão de notas por dia, média de 50 mil por hora.

Diretamente do site da Technorati, no ano passado havia, só nos EUA, 22,6 milhões de blogueiros (12% do total). E segundo a Universal McCann, em dados de março deste ano, 2,184 milhões de novos blogs foram abertos (26,4 milhões nos EUA), e 346 milhões de pessoas são leitoras de blogs (60,3 milhões nos EUA). Ou seja, 77% dos usuários da Internet costumam ler blogs.

Mais que uma simples mania, fazer um blog pode ser um modo válido de dar a conhecer sua produção, suas pesquisas, seu trabalho enfim, individual ou de equipe. Para um pesquisador, um jornalista ou um escritor, em vários casos já se comprovou a eficácia desse meio de comunicação relativamente barato, simples de utilizar e de resultados às vezes mais rápidos do que se imaginaria.

Verdade que muitas facilidades oferecidas pela Internet são meio neutralizadas pelas exigências do mercado, porque todo mundo quer ganhar o seu – quem publica, quem lê, quem anuncia e quem oferece oportunidades – leia-se ofertas de serviço pago. Editores, provedores e anunciantes assestam sua cobiça sobre os sites mais procurados.

Talvez por isso os casos de reconhecimento de um bom trabalho se tornem mais escassos. Outro fator negativo para quem procura projeção é a quantidade espantosa de sites on line, um verdadeiro cipoal que embaraça qualquer busca. Tornar-se mais que uma agulha no palheiro requer qualidade excepcional, propaganda e informação tipo Feeds ou e-mails programados que perigam afundar no limbo dos spams.

Mas o que funciona de verdade na projeção de um site, ao menos pelo que se pode observar, é uma combinação de contatos reais de seu(s) autor(es) com uma qualidade capaz de chamar a atenção dos leitores e observadores. A falta de um desses fatores pode ser a causa do desempenho fraco de blogs ou sites muito bons, que acabam perdidos entre os medíocres de plantão.

Mas nem tudo se resume na corrida pela glória. Há também o prazer de ler e ser lido, trocar opiniões, comentários, fazer amigos novos de qualquer quadrante e aprender sempre mais. É impressionante como se aprende com a leitura de certos blogs, em matéria de sensibilidade, idéias e estética. Para isso, sobram leituras prazerosas e enriquecedoras. Vale selecionar um pouco as amizades e evitar blogueiros umbigudos, desses que só pretendem se fazer notar e usam comentários e elogios fáceis como moeda de troca em proveito próprio, pouco se lixando para os textos dos demais donos dos blogs onde deixam as marcas de seu narcisismo infantil. Afinal, mesmo para quem não conquista o reconhecimento que todo mundo deseja, existe uma ética que deve ser observada em cada instância da vida, e essa de que falamos inclui respeito pelo trabalho dos outros e obrigação de dar o melhor de si em seu próprio trabalho.

domingo, 19 de outubro de 2008

Cachorro, só adestrado




Às vezes penso que, diante de tanta ignomínia e injustiça no mundo, o Ser superior a que dão nomes diversos pode bem perder a paciência com os humanos e impor a essa raça de insensatos alguma contenção ou penalidade que os faça cair em si, arrepender-se e compulsoriamente tentar consertar os estragos que têm causado ao próximo e ao planeta.

Não sei se o Ser superior se daria a esse desfrute, que talvez o rebaixasse aos olhos de seus adversários – numerosíssimos, pelo que se pode observar por aí. Mas se sua mão realmente pesasse com decisão sobre as cabeças rebeldes, talvez o resto do rebanho fosse tomado de temor, como nos relatos do Antigo Testamento, e decidisse repensar a vida.

Também acredito que tal testamento é uma prova de que esse assombro das pessoas ante o mal no mundo vem de tempos bem remotos, talvez desde que o homem apareceu na Terra tal como o conhecemos hoje. Ao contrário do que acontece diante dos acenos de uma vida além-túmulo, o castigo aqui e agora, sentido na carne e não por uma vaga ameaça, teria na certa um efeito mais decisivo para fazer entrar na linha os irresponsáveis, relapsos, violentos e egocêntricos de plantão – e haja plantão! O único risco seria tornar o comportamento do Senhor comparável ao dos humanos, que estão sempre prontos para a vingança e a retaliação. E também não se descarta a possibilidade – que alguns têm como certeza – de que o AT tenha sido apenas fruto do medo e do sentimento de culpa que os humanos, e só eles, são capazes de desenvolver.

Ninguém pode ser considerado inocente. Na certa somos todos culpados de muitas omissões e/ou atos destrutivos. A questão está no grau de persistência e virulência de nossas faltas, no cinismo com que nos julgamos no direito de usar e abusar de coisas e pessoas, no egocentrismo muitas vezes perverso de que somos capazes. Às vezes é preciso soltar os cachorros, mas antes temos que ter certeza de que estão adestrados.

Nesse terreno, o limite entre normalidade e doença é bem tênue. Os conhecimentos acerca de doenças e distúrbios neuropsíquicos explicam alguns desvios, como no caso do recente seqüestro e assassinato de ao menos uma das duas meninas envolvidas. Isso tem acontecido muitas vezes por conta da incapacidade, em geral de um homem, para suportar o fim de um relacionamento amoroso. Nesses casos, um afeto deturpado transforma o outro em objeto de posse de um desequilibrado, que tanto pode ser um advogado, como Pimenta das Neves, um fútil playboy como Doca Street ou um rapaz inexpressivo como o Lindemberg de Santo André.

A desigualdade social também cria um clima propício a ressentimentos e cobiças. As injustiças não param de crescer, a partir dos mecanismos iníquos de distribuição de bens e dinheiro, impostos pelo regime de capitalismo selvagem implantado no Ocidente. Mesmo entre os de classes semelhantes, o olho grande compele as pessoas ao consumismo e à corrupção. O que em princípio seria uma busca legítima de felicidade se avilta pelo desejo de ter sempre mais. E de quebra agrava o estresse, os estados de instabilidade psíquica, alimenta hostilidades, encoraja uma tendência ao confronto que acaba em agressões no trânsito e brigas de vizinhos. Sem falar na insatisfação crescente que empurra para a drogadição, a bebida e outras maneiras de fugir de uma realidade em que o prazer vai rareando, engolido pela ansiedade ou pela angústia.

O domingo está acabando. Com tanto incentivo à briga, melhor relaxar e se programar de jeito a dar mais espaço para o amor, a amizade, o bom convívio; buscar em si e nos outros o que se pode fazer para tornar um pouco melhor o bairro, mais acolhedora a casa onde se mora, o lugar onde se trabalha ou estuda; exercitar o cuidado de si e daqueles com quem queremos dividir a vida.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Sentar no chão



As crianças se encontram na pracinha e imediatamente entram em um grau de sintonia: se olham, trocam uma ou outra palavra, sorriem e começam a brincar. Nunca tinham se encontrado antes, mas o simples fato de serem do mesmo tamanho e adivinharem que gostam das mesmas coisas as identifica. Sentam juntas no chão, dão-se as mãos, riem, brincam e correm numa amizade instantânea.

Claro que os adultos não podem agir com a mesma espontaneidade. O que é uma pena, mas realmente não se recomenda. A comunicação entre eles não é tão fácil, a vida já lhes ensinou que é preciso desconfiar de um estranho, muito embora saibam que algumas coisas continuam a ser comuns a todos.

Mas perder a espontaneidade da infância não é motivo para hostilizar o outro. O famoso benefício da dúvida pode ir além de uma atitude forçada e politicamente correta, para admitir um gesto exterior de atenção e um gesto interior de certa boa vontade. Para um adulto, sentar no chão com o outro equivale a acolhê-lo de maneira civilizada e reconhecer nele um semelhante.

As sementes da intolerância se alastram muito mais depressa quando se vive sem dar atenção aos outros, ingorando ou menosprezando quem está a nossa volta. Nada bom para o mundo e as pessoas, porque é dessas sementes que brotam as guerras, os ódios que vêm para ficar e a violência de todas as formas.

Não que todo mundo deva virar madre Teresa de Calcutá, um ideal para poucos. Falo de uma solidariedade pequenininha mas sempre presente, imediata, do dia-a-dia, que se dirige ao vizinho, ao irmão dentro de casa, ao marido ou à mulher, aos filhos, a quem passa por nós e viaja em nossa condução. Uma solidariedade que vê mais longe do que a roupa que o outro veste ou sua condição social.

Empatia, estar alerta ao que o outro diz e faz – ou seja, ser capaz de demonstrar compreensão desarmada. Conviver sem a pretensão prévia de julgar ou se defender a priori, como se o outro fosse sempre o inimigo em potencial. Não é tão fácil quanto parece, mas é possível, mesmo sem ignorar os sinais reais de perigo que nos cercam nas cidades e aos quais também é preciso estar alerta.

Talvez ser feliz dependa de saber acolher e ser acolhido em qualquer situação. É preciso ter a noção do que um gesto de simpatia pode conseguir: relaxa, desarma, cria um clima favorável ao entendimento. É preciso ter espaço interior de manobra para deixar espaço para os outros, e o grande mal do mundo (que não nasceu hoje, mas está atingindo uma tensão insuportável) é uma intolerância que nasce exatamente do não-entender, e mais ainda do não querer entender nem se identificar com algum traço de quem está diante de nós – e que no entanto é também uma pessoa de nossa mesma espécie, noves fora as diferenças individuais.

Cordialidade e delicadeza não fazem mal a ninguém, nem são sinais de fraqueza. São sinais apenas de boa vontade e compreensão. Mas para isso é preciso entender que cada vida está ligada às vidas do mundo todo, perceber o significado da generosidade não como uma virtude que torna alguém superior aos demais, mas uma decorrência da precariedade de cada um.