domingo, 21 de setembro de 2008

Inconfortáveis


Imagem Blue Molleskin.

Dizemos que um sapato é desconfortável quando machuca o pé ou não nos dá segurança no andar. Do mesmo modo, uma roupa nos deixa irritados quando incomoda – uma gola, a manga mal colocada, um cós muito apertado. É desconfortável dormir numa cama dura ou macia demais, sentar num sofá demasiado fundo, numa cadeira muito estreita. Frio ou calor em excesso nos deixam indispostos. Carne muito dura, comida salgada ou insossa, água morna, frutas ácidas demais – tudo isso traz desconforto ao corpo.

Não vamos falar das piores coisas, como a depressão ou a tristeza extrema por uma perda, uma doença que cause grande mal-estar ou uma dor física.

Mas há outros desconfortos. Alguns muito sutis, como aquele instante em que de repente, sem causa aparente, o mundo nos parece um saco, tudo fica sem graça e até fisicamente a gente se sente mal dentro da roupa sem motivo. Em geral é passageiro, felizmente, mas desce não se sabe de onde nem como. É como se subitamente a gente ficasse de mal com a vida, incômoda para si mesma. Acontece e passa, mas às vezes deixa o tédio – outro estado nada confortável.

Desconfortos inconfessáveis podem estragar bons momentos: um absorvente que se descolou de seu devido lugar quando não há toalete à vista; um botão estratégico que se solta de sua casa quando não se pode tornar a pregá-lo ou um molho que pinga na blusa, um café quente demais que nos queima a língua.

Há também pessoas inconfortáveis. Um cara inconfortável é um ser pouco acolhedor. Pode chegar a ser mesquinho, um completo chato ou apenas meio canguinhas. Não falo de generosidades materiais, mas de uma certa generosidade afetiva, necessária ao bom relacionamento como o lubrificante ao bom funcionamento da máquina. A sovinice emocional pode ir da arrogância que fulmina o próximo até aquele olhar crítico que te atinge no exato momento em que você mais apreciaria um gesto solidário. É o(a) cara que ironiza teu carro novo quando você está mais eufórico por causa dele. Ele(a) inveja, deprecia, faz alusões incômodas ou indiscretas. Ele não gosta de ver o outro feliz. Não alivia. Não cede o lugar. É o primeiro a correr para a mesa e atravanca o acesso dos outros em seu direito à comida. Não segura o elevador quando você vem chegando afobado.

E há os que simplesmente não se apercebem de quando sua presença não é desejada, e o amigo ou conhecido a duras penas controla o desejo de se ver livre. Nem é muito difícil perceber essa situação. Mas certas pessoas acham que sempre vão agradar, se você é amigo ou simplesmente já foi simpático com elas de outras vezes. Na verdade, é preciso um certo feeling para perceber que em certos momentos nem a companhia da própria mãe da gente seria muito bem-vinda. E que é muito desconfortável e até angustiante ter que fingir contentamento quando tudo que se deseja é ficar sozinho, seja lá por quê. E que nesses momentos talvez o melhor seja deixar um sinal de amizade – uma simples flor, um carinho, um doce – sem perturbar a solidão do outro.

É duro aturar quem não tem medidas para demonstrar o quanto é bondoso, generoso e quer provar sua amizade de qualquer jeito, ainda que seja invadindo, forçando o convívio e a confidência. Quem fala quando se quer silêncio, quem padece da aflição de consolar aquele que não está aflito, mas apenas triste ou cansado. Às vezes é melhor o sapato apertado.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Resumos




O mundo é como um cinema que passa bem devagarinho: sempre sobra mundo pra conhecer.
Só é ruim porque não há como saber exatamente que papel a gente fez no filme.

***

Assimilou bem demais a boa educação que lhe deram. Agora é uma leoa que não consegue sair da jaula. Nem com a porta aberta.

***

Aos cinco achava o pai um herói, aos dez um grande homem; aos quinze um coroa boa-praça, aos vinte um reaça. Aos trinta entendeu melhor e dez anos mais tarde virou o melhor amigo.
Dias depois que o velho morreu, levou um bruto susto ao ver o rosto dele quando se olhou no espelho da sala.

***

Tinha bebido tanto que não soube explicar como acordou em cima do ombro do Cristo Redentor de pareô e colar de havaiana, mas lembrava perfeitamente o nome do dragão que o transportou.

***

Deixou a água no fogo e foi ler. Da casa só restou um pedaço de janela.

***

Sonâmbulo, saiu voando do vigésimo andar. Ainda bem que nem acordou antes de chegar ao chão.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Voto meditado


Durante algumas semanas deixo de ler jornais e revistas, não vejo mais noticiário de tv nem quero saber das notícias de política e polícia, muito menos das que misturam as duas e que são cada vez mais freqüentes. Estou louca pra ver se isso muda alguma coisa na cabeça. Se mudar pra melhor, repito a dose. Alienação? No, babies. Entrei num período de desintoxicação mental pré-eleitoral.
Uma coisa que me deixa cabreira é a diferença entre o que de fato acontece na vida real e o que chega a nosso conhecimento via mídia. Apoiamos a opinião de um ou outro colunista que admiramos, pelo que sabemos dele e por suas idéias. Até aí, tudo bem. O que estraga é o efeito cumulativo do noticiário e da propaganda em geral: acabamos nos condicionando a pensar pela cabeça dos outros, o que não se recomenda, por melhores que os outros sejam (e quase nunca são assim tão melhores).
Às vezes fico assombrada com a uniformidade de determinados discursos em certos setores da mídia. Vivemos à sombra de um emaranhado de idéias e pontos de vista ditados por interesses que não conhecemos bem e não são nossos. Claro que não dá pra confundir gestos e atitudes impulsivas com opiniões próprias. Mas às vezes é preciso parar e refletir, deixar claro se o que estamos pensando não traz de mistura as opiniões alheias que, de tão repetidas, acabamos adotando como se fossem realmente as nossas. Uma espécie de catarse, um exercício de purificação em busca da serenidade necessária para pensar e agir por conta própria, sem deixar margem a futuros arrependimentos.
Agora, pouco antes das eleições municipais, talvez seja melhor puxar o freio, deixar de engolir sem mastigar o que nos enfiam goela abaixo e pensar ainda mais com a própria cabeça. Ou seja, votar pelo que o candidato tem de positivo, não dito por ele ou pela propaganda, mas do que tivermos conseguido efetivamente apurar sobre ele. Já é tempo de dar governos decentes a nossas cidades.
Falando do Rio em particular, estamos precisando de oxigênio, ar puro na administração, porque na que tivemos até agora predominou o descaso acompanhado de corrupção e muita falsidade. Valha-nos são Sebastião.
Se alguém estiver interessado em refletir sobre o assunto, vou abrir meu voto: dos bons candidatos, quem teria mais chance de vitória sobre Crivella e Paes (argh!!!) seria Jandira. Se Chico (que admiro sinceramente), Molon (idem, mas tá sem cacife) e Gabeira (de início meu candidato predileto) tivessem uma visão mais ampla da situação, acho que abririam mão de suas candidaturas em favor da Feghalli. Mas não tenho nenhuma esperança de que isso aconteça.