sábado, 28 de julho de 2007

Fajutos de souza

Às vezes difíceis de ser compreendidos, mal conhecidos pela maioria, autores muito badalados acabam sendo mal interpretados, e em torno de seus nomes nascem mitos, falsas imagens, anedotas e ditos apócrifos.
O fenômeno é da natureza desse que aflige nossas caixas de e-mail e até blogs das mais diversas procedências, quando lançam na rede textos fake assinados por nomes muito conhecidos, de preferência os de Clarice, Veríssimo, Jabor, Drummond, Quintana ou qualquer escritor muito popular.
A gente sempre se pergunta o porquê desse fenômeno. Talvez algumas pessoas precisem tanto se fazer notar que lhes sirva até mesmo um reflexo do brilho alheio. Parece francamente patológico, mas há gosto pra tudo nesta vida.
Pode ser que haja até boas intenções no comportamento de quem divulga mensagens desse tipo sem verificar sua autenticidade. A intenção pode sere divulgar o que supostamente significa riqueza cultural, sabedoria, pensamentos edificantes etc. Mas são boas intenções que vão para o inferno por inconseqüentes. O fato de associar nomes famosos e ilustres a um texto não lhe dá qualquer valor além do que ele tem, e que pode ser nenhum.
Por trás de toda ação sem causa aparente, existe um tipo de motivação, sabe-se lá qual das muitas possíveis, e essa história de assinar textos fajutos com nomes famosos parece pura e simples tolice. Um de seus piores efeitos é aumentar o clima de insegurança que predomina no lusco-fusco de mentiras, meias-verdades, golpes baixos e gestos suspeitos em que vivemos. Quem faz isso, seja lá por que for, contribui para banalizar ainda mais o engano e a falsidade ideológica, tristes figuras quase sempre encaradas com mais complacência do que seria de desejar.
Mas se a gente se propuser a examinar o caso mais a fundo, vai dar na raiz de onde brota o plágio, irmão mais velho do texto fajuto. Ambos são filhos da leviandade e do desprezo pelo outro.

Leituras



Imagino que leitura quer dizer alguma coisa que vai desde pegar um texto e juntar as letras, as palavras, perceber um sentido nesse texto, até fazer uma leitura dinâmica, transversa, de frente pra trás e vice-versa, e perceber um ou mais sentidos nesse texto, concordar ou não com ele ou simplesmente ficar sabendo o que alguém ou alguma instituição quis dizer com aquilo.
Existe também uma leitura de puro lazer, como algumas pessoas encaram a coisa – “adoro ler!” – sem maiores conseqüências. Nesse caso fica muito vago definir o que significa “ler”. Pode ir desde mera fofoca até folhetos de propaganda para alimentar um consumismo desenfreado; recreio para o pensamento, curiosidade, vontade de aprender ou conhecer alguma coisa ainda muito distante; viajar por lugares desconhecidos, auto-ajudar-se, aprender novas receitas ou busca de romantismo e emoções que o dia-a-dia em bruto não oferece muito.
Leitura pode ser distração, e geralmente é, mas pode também abrir caminho para uma quase cumplicidade com quem escreveu. Isso acontece quando o leitor se identifica com o que lê, se sente atingido por um modo de expressão, desperta para novas visões de si próprio ou das pessoas e do mundo que o cercam.
É nesse ponto, eu acho, que se abre um caminho que pode levar muito longe, a um jeito novo de conceituar a leitura, que a torna imprescindível, parte integrante do cotidiano. Pode formar um leitor que interage com o que lê, que se integra ao texto, pondo nele sua contribuição pessoal, suas vivências, todo o conjunto de suas experiências de prazer e dor, e conjuga essas experiências às que o autor expressa. Um leitor que se mistura subjetivamente ao texto e tira desse processo uma satisfação que pode ser chamada de estética.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Reflexões à margem da tese


Foto Robert Doisneau.

Meditação primeira

Mim não pode ser sujeito de nada, portanto é inculpável e não se justifica que eu – eu, sim, sujeita responsável por tudo que digo e faço – fique ruminando os fatos e peculiaridades afetas ao mim. Mas se mim é inculpável, será por ser pronome oblíquo ou menor de idade? Mas por que seria menor de idade, só por ser mim? Haverá alguma afinidade secreta entre a obliqüidade e a cronologia? Ou será que em vez da idade, o que pesa aí é alguma imputabilidade legal, tipo índio, criança ou doente mental? Seria mim um psicopata acoplado à minha pessoa-eu? Mim me dá sempre a sensação de que está de esguelha, me olhando meio à sorrelfa, dissimulado ou talvez envergonhado de não ser eu. Mim pode ser um invejoso por natureza. Bastava no entanto que mim assumisse seu lugar sem maiores complicações, pois ainda que coadjuvante é um personagem necessário ao bom andamento do destino e dos acontecimentos. Talvez seu embaraço venha de ser sempre tutelado por uma preposição, concordo que é um mico, mas fazer o quê? Sem ela, a preposição, mim estaria desclassificado, ameaçado de desaparecer para sempre na primeira ventania mais forte. A preposição é assim como se fosse sua roupa. Mais uma razão para se conformar com ela e se ajustar a sua condição: já pensou mim, que vive grudado no meu pé, ter que existir completamente pelado?



Meditação segunda

Fora é um conceito relativo, um advérbio de lugar que todo mundo sabe o que quer dizer e uma palavra cujo significado exato nos escapa por completo.
Posso por exemplo considerar o lado de lá de minha janela como o lado de fora, mas, estando eu do lado de lá das grades, não estaria do lado de fora, e sim dentro da área do condomínio onde se encontra meu apartamento. Por outro lado, o que fica além dessa área – a rua, a pracinha em frente e o jardim do prédio fronteiriço além do resto do mundo – constituiria então o espaço a ser considerado o de fora. Saindo do jardim do condomínio em direção à rua, esta continuaria a ser chamada de “lá fora”. Assim como o próprio jardim também pode ser considerado o lado de fora do prédio, estando eu nele ou não. Será então o conceito de fora “aquilo que fica a céu aberto”? Mas há terraços a céu aberto que pertencem a uma residência, ficando então o morador à vontade nesse terraço por se achar dentro da sua casa.
Levando adiante o assunto, digamos que estamos dentro de uma cidade chamada Rio de Janeiro e que além dos limites de seu município fica o fora do Rio de Janeiro. Também é verdade que estamos dentro de um país chamado Brasil - embora fora de muitos outros lugares - e que fora do Brasil é o estrangeiro. Mas um estrangeiro está dentro do seu país de nascimento e domicílio, donde se pode inferir que o estrangeiro também está, assim como eu, dentro e fora ao mesmo tempo.
Quanto às galáxias que povoam o Universo, não há certezas radicais quanto a indivíduos dentro ou fora de coisa nenhuma, mas para nós eles estarão sempre fora – exceto se nossas naves intergalácticas conseguirem chegar lá, caso em que teremos caído dentro da galáxia também, só nos restando na qualidade de fora o espaço infinito que não sabemos se é mesmo infinito. Se esse tal espaço for infinito e chegarmos a visitá-lo, amiguinhos, não nos restará mais lugar para ficar de fora, e a partir daí teremos que reformular nossos dicionários, gramáticas, vocabulário, organizações e instituições governamentais ou particulares, pontos de vista e sistemas de física e filosofia, apagar a idéia do fora, seus termos escritos, falados e derivados, além de toda e qualquer de suas representações físicas, mentais ou espirituais. Seremos a partir de então criaturas definitiva e irremediavelmente dentro seja lá do que for, podendo-se inferir daí a difícil situação dos claustrofóbicos e mais ainda a dos foragidos, aí incluídos depósitos em bancos de paraísos fiscais.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

A irresponsabilidade é explosiva

Sobre a tragédia de Congonhas no dia 17 passado



Nem sei bem até que ponto se pode falar desse assunto neste momento, em que o fogo ainda nem apagou direito lá no aeroporto. Mas é preciso falar. Não dá mais pra ficar quieto vendo aviões explodirem, enquanto interesses de alguns resultam em tragédias como essa de São Paulo. As vítimas são indenizadas, a lei se cumpre. E as vidas, quem traz de volta? E a dor, que dinheiro paga?
Até quando vamos acreditar em todas as mentiras, em todos os disfarces, em todas as palavras que encobrem a verdade? Inventamos rituais para neutralizar a revolta e a dor das perdas irreparáveis. Os responsáveis vêm a público e a mídia os apresenta de cara séria, tratando a tragédia como uma fatalidade, cheios de argumentos regulamentares, contornando as perguntas mais difíceis com "ainda não temos esses dados", "não podemos responder a isso". Cumprido o ritual de praxe, o povo deve se dar por satisfeito, e as repostas não vêm enquanto não se encontrarem fórmulas capazes de encobrir as verdades menos confessáveis.
E tudo vai continua na mesma. Assim como a impunidade e a leviandade de quem libera uma pista insegura depois de uma obra que não resolvia o problema. Mas a companhia tem que faturar, e há sempre um juiz venal pra atender aos interesses de quem o compra.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Canalha, eu?!


Charge de Coletti.

Nossos heróis morreram de overdose, como disse Cazuza em outro contexto. Como tudo nesta vida tem sempre um lado proveitoso, cabe refletir sobre o assunto, aliás nem tão misterioso nem tão contraditório.
Pode ser que dessa vez a gente aprenda a lição: ninguém é só do bem. Todo mundo tem seu viés canalha. Verdade que alguns exageram. Mas uma coisa mais uma vez ficou clara: não é o hábito que faz o monge, mas pode ser que a ocasião faça o ladrão em muitos casos insuspeitados. E vamos parar com essa mania de explicar as coisas pela latitude. Pode-se estar à direita do meridiano e ser gente boa, assim como podem alguns mais a oeste merecer estima e consideração. E até, por que não, confiança.
As conclusões que pessoalmente tirei das sucessivas crises nas quais andamos chafurdando foram basicamente duas: é indispensável conhecer o passado de um candidato a qualquer posto eletivo, em vez de acreditar nele de graça. E caso não consiga acesso a informações razoavelmente confiáveis sobre o fulano, não votar nele. Ainda que seja preciso votar nulo, o que também é um modo democrático de expressão.
O que me parece antidemocrático e muito ruim, neste momento em que a gente sente tremer a terra pátria, é desacreditar de todos os princípios ou pior ainda, em nome de generalizações capengas desacreditar de tudo e achar que todo mundo é igual. Toda crise, por pior que seja, tem começo, meio e fim. Coisas piores já passaram – duraram até vinte anos, e quem não foi exterminado pôde ver sociedade e história execrando o que durante aquele tempo interminável foi a dura realidade da lei do mais forte.
Ao contrário: agora é que a gente precisa de princípios, de um conceito claro e nítido do que seja ética, que é ciência da ação, onde se analisam como e por que agir de um modo e não de outro. Agora é a lei do mais rico.
O que norteia a ética é a figura do outro, aquele que precisa ser levado em consideração quando se decide fazer alguma coisa. É esse o conceito que as autoridades não se lembram que é preciso incutir nos alunos em nossas escolas, nos currículos das academias que formam profissionais liberais, nos cursos de administração de empresa e marketing ou do que se chama vagamente formadores de opinião. Dá pra entender, porque ninguém dá o que não tem.
Toda carreira tem sua ética própria e específica para viver em sociedade, interagir com clientes, colegas, alunos ou superiores. Mas o princípio é um só, vale pra todo mundo, formado ou não, em qualquer classe social – contanto que seja gente: ser capaz de se pôr no lugar do outro e pensar duas, três ou vinte vezes antes de fazer o que vai atropelar os direitos ou as necessidades desse outro. Seja ele quem for, e ainda que não tenha um rosto conhecido pra nós, nem seja simpático ou estimado. E mesmo que a dinheirama que vai servir a esses direitos e necessidades esteja aí, à vista e ao alcance da mão.
Talvez seja esse o jeito mais eficaz de controlar o viés canalha que todos nós – mas todos mesmo – possuímos.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Paz, via de mão dupla


Foto Elliot Erwitt.

A violência não brota do nada. E não tem só uma ou duas causas nem caras. Não pode ser reduzida a fórmulas, como se tende a fazer nas horas de muita dor e muita revolta.
Entrar no mérito dessa questão seria produzir um ensaio. Mas o sentimento da impotência toma conta da gente quando se vêem figuras de algum destaque nos diversos setores de atividade e conhecimento aferradas a argumentos irredutíveis, perdendo de vista a questão concreta que nos desafia, como se suas augustas pessoas estivessem acima de qualquer interesse coletivo. As discussões sobre o assunto terminam muitas vezes num charco estéril de narcisismo.
As discordâncias conceituais têm que existir e devem ser analisadas para que delas surja alguma saída para a sociedade. Mas se fornecerem munição à prepotência e à vaidade dos envolvidos, perdem sua razão legítima e servem apenas para engrossar o arsenal das farpas, muito útil a quem pretende aproveitar a crise para se projetar ou – pior ainda – para tirar vantagem dela.
Será que isso não é também um sintoma de violência? Nem só os ditos bandidos são gente “do mal”. Todos nós temos essa aptidão, e não ponho nisso qualquer traço de religiosidade. Pode-se nunca ter cometido um crime na vida e ser insensível e até cruel no cotidiano. Todo dia se vê gente assim no trânsito, em brigas de trabalho, em família ou entre vizinhos. As represálias e a vingança parecem ter-se tornado no imaginário coletivo recursos legítimos contra quem, mesmo sem muita intenção, criar obstáculos a uma vantagem ou a um objetivo. A primeira atitude em qualquer circunstância é o antagonismo, a defesa ou o ataque, mesmo sem causa concreta.
Violência tem graus, mas não escalas que a tornem mensurável. É contagiosa, e não existe medicamento eficaz contra ela, a não ser que consiga uma mudança íntima, pessoal, pela qual alguém se disponha a ceder alguma coisa para se entender melhor com o outro.
O pior de tudo, no caso de cidadãos pacíficos e honestos, que de fato gostariam de amenizar o clima carregado em que estamos vivendo, é a omissão, a ilusão de se sentirem invulneráveis enquanto tudo estiver correndo bem com eles e suas famílias. Essa ilusão é filha daquele maniqueísmo tão banal e nosso conhecido que leva a dividir o mundo em pessoas boas e más como se já estivesse tudo resolvido. Nada está resolvido, nem vai estar nunca. Sempre há o que melhorar no mundo, mas isso só vai acontecer quando estivermos inteiramente convencidos de que paz não é sinônimo de estagnação e indiferença. E de que a mudança tem que começar dentro de cada um.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Carpe internetem



Ao contrário do que se repete por aí, a leitura na Internet não é atividade superficial, fugaz. Ou melhor, é tão fugaz quanto qualquer leitura de texto pode ser, dependendo do leitor. Ler um livro é um deslocamento no tempo e no espaço, uma caminhada ao lado de alguém que te conta uma história, fala de seus estudos, declama poemas. É desejável também que seja uma troca de idéias, um exercício de crítica. Às vezes a origem de um sentimento de empatia para com o autor, seus personagens ou suas idéias. Tudo isso se aplica também à leitura virtual.
A Internet é voraz. Rima, mas não tem nada a ver com fugaz. O lobo mau da rede se chama mercado e se apresenta em piscantes popups, vertiginosas imagens de mau gosto que invadem o monitor sem serem chamadas e solertes transbordam das caixas de correio se a gente se distrair.
Quanto ao mais, a Internet é a invenção mais espantosa, arrebatadora e brilhante de que já se ouviu falar em matéria de comunicação democrática – aqui no Brasil mais ou menos democrática, porque a maioria ainda não consegue acesso regular, que aos poucos vai ampliando seu alcance.
Noves fora a certeza de que todo mundo quer aparecer bem na foto, que às vezes aquela beldade arrebatadora é agora uma simpática anciã mas ninguém sabe; que aquele galã de olhar definitivo sofre de um mau hálito insuportável e não gosta de tomar banho ou que o pai amoroso não paga a pensão dos meninos, resta a certeza de que na outra ponta da telinha existe um ser humano em busca de trocas, amizade, consolo ou oportunidade de mostrar seu trabalho, que pode ser muito bom e de outro modo ninguém além da família e amigos mais chegados ia conhecer. Não é pouca coisa.
Tudo que se pede a um internauta é mais ou menos o mesmo que se pede aos viventes deste mundo de tantos deuses: que não seja incauto, não se deixe levar por informações ainda não comprovadas devidamente. Em suma, que não seja otário.
Munido desse comprovante de vacina, deite e role, carpe a rede. Se você tiver objetivos bem definidos, melhor. Há muito que aproveitar – leitura das edições mais atualizadas dos jornais sem sujar os dedos e mais: literatura, artes, ciência e tecnologia, informações úteis sobre praticamente todos os setores e assuntos, viagens, cultura em geral. São dados reais ao alcance dos olhos, da inteligência e da sensibilidade de quem souber aproveitá-los.
No caso de contatos pessoais, observadas as normas do bom senso, só se tem a ganhar. Todo mundo quer mostrar o que tem de melhor. As trocas podem ser muito agradáveis; está comprovada a possibilidade de fazer amigos e existem casos de amores que deram certo e começaram por contatos virtuais.
Claro que há o risco do excesso que, além da LER – lesão por esforço repetitivo – e vista cansada, pode reduzir a vida ao que se vê no monitor, e em vez de aproximar as pessoas separá-las por uma banda larga. Mas essa tendência a virtualizar a vida não é defeito da Internet. O defeito é de quem a põe a serviço de suas limitações, de sua preguiça ou neurose, quando ela deve ser justamente o contrário – um instrumento para ampliar a visão do mundo e alternativamente enriquecer a vida real de contatos humanos. Primeiro mandamento para quem quer se dar bem usando a Internet: a dita vida real tem prioridade absoluta.